A crise da água vai acabar?

Professor do Departamento de Recursos Hídricos da Unicamp explica quais as razões para a crise acontecer e quais medidas a população pode tomar para garantir água no futuro.

Karine Salles

03/03/2015 às 04h13 - terça-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h04

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Represa de Vargem, no interior paulista.

O jornalista Paiva Netto nos ensina, há anos, que: "É nos momentos de crise que se forjam os grandes caracteres e surgem as mais poderosas nações". E surgem mesmo! Quer um exemplo? Desde que a crise hídrica em São Paulo, SP, começou e o 'sobe e desce' do nível dos reservatórios é destaque dos principais meios de comunicação do Brasil, uma poderosa nação surgiu em muitos bairros paulistas: a dos poupadores de água.

Antes, o líquido era usado em abundância, como se nunca fosse acabar; hoje, economizar água é garantia, para muitos, do banho na manhã seguinte. Por isso, muitas ~engenhocas~ foram criadas e instaladas nas residências para ajudar a poupar. E ajudam mesmo. Mas não podemos nos esquecer dos moradores de várias cidades do agreste nordestino que já convivem com a seca há anos. Nesse tempo todo, eles aprenderam a poupar e usar melhor este recurso, que é finito. E se tornaram exemplo de como viver com o pouco que tem.

Infelizmente, São Paulo e o Nordeste não são casos isolados. Em 2008, em meio à pior seca da Espanha em 60 anos, Barcelona recorreu a uma forma drástica de abastecimento: importar água. Mas o povo espanhol não é o primeiro a ter este recurso importado. As cidades-Estado de Hong Kong e de Cingapura também dependem, respectivamente, da China e da Malásia para seu abastecimento por meio de dutos. Jordânia, especialmente sua capital, Amã, têm água originária de Israel. Nos Estados Unidos, a cidade de Los Angeles recebe 90% do líquido que sai das torneiras é do Estado do Colorado, a 640 km de distância.

De acordo com o professor do Departamento de Recursos Hídricos da Unicamp, Antônio Zuffo, a "Espanha conseguiu [passar pela crise] construindo grandes reservatórios. Mesmo assim, ela não tem segurança total de abastecimento. No planejamento deles há um quadro alerta, no qual, dependendo da situação, há alguns sinais". Quando o reservatório atinge determinado volume, o morador passa a só poder usar água internamente, em outro estágio, não pode molhar o jardim. Assim, vão poupando de acordo com a quantidade de água disponível, priorizando as necessidades mais básicas e abrindo mão daquilo que pode ser economizado.

POR QUE A CRISE ACONTECE?

Por alguns meses, em São Paulo, o cenário foi de muita gente economizando e restringindo o número de litros de água por dia, a companhia de saneamento aplicando multas aos que extrapolavam o limite e os reservartórios diminuindo dia após dia. Mas, cadê a chuva? Zuffo explica que a falta dela foi "resultado de um cíclo natural da atividade solar, o que chamamos em hidrologia de 'Efeito José'. Ele prevê um longo período de baixas precipitações, sucedidas de altas precipitações. Observamos que, da década de 1930 até a 1960, as precipitações ocorreram abaixo da média. Houve um aumento a partir da década de 1970. E agora eu acredito que vamos passar por mais ou menos 30 ou 40 anos de precipitações mais baixas".

E por que a crise acontece? Para o professor, ela é proveniente de uma série de eventos que vêm ocorrendo ao longo dos anos. Ele cita dois que, juntos, tiveram grande influêcia no quadro atual: "falta de conhecimento humano e tomada de decisões equivocadas. Tínhamos água sobrando e voltamos para a realidade da década de 1970, que era a falta de água".  De acordo com a Organização das Nações Unidas, cerca de 1 bilhão de pessoas passam por isso no mundo. Elas não têm acesso suficiente à água para atender necessidades diárias de consumo e higiene — para viver com dignidade, uma pessoa precisa de 110 litros por dia. "A cada 20 segundos nós perdemos uma criança por questões de doenças relativas à veiculação hídrica", alerta Varella. 

"Não considerar a variabilidade climática natural" também foi outro erro apontado pelo especialista em hidrologia. Isso porque, segundo ele, períodos de estiagem acontecem. E podem se tornar mais frequentes devido ao aquecimento global. Por isso, a necessidade de o sistema ser planejado para dar conta do abastecimento de água, inclusive nas adversidades climáticas. E lembra que "provavelmente as chuvas não vão recuperar o sistema, num nível seguro para passar o próximo período seco — que seria de abril a outubro — deste ano". Além da população, produtores e indústrias são os que mais vão sofrer com a falta de água, que é tão importante para a economia. Segundo Zuffo, a consequência disso seria um desabastecimento de produtos como hortaliças, que precisam ser regados . 

E A CULPA É DA AMAZÔNIA? 

Embora alguns estudos apontem o desmatamento da Amazônia como fator agravante para a crise hídrica vivida pelos brasileiros, o professor do Departamento de Recursos Hídricos da Unicamp, Antônio Zuffo, acredita "mais na atividade solar" como fator causador. Explica que "onde esquenta mais, que é na linha do Equador, há um processo chamado de convecção térmica. Existe a Floresta Amazônica porque nessa região chove, se não chovesse seria um deserto. E essas regiões de baixa e alta pressão migram sazonalmente de local, então se aumentam ou diminuem a atividade solar elas mudam de localização. É encontrado um outro equilíbrio na circulação atmosférica, e quem define o clima global".

POUCA ÁGUA PARA MUITA GENTE

Estima-se que o Brasil possua 12% das reservas de água doce disponíveis no Planeta. Porém, esses recursos não são distribuídos igualmente. Zuffo explica que "é até engraçado, mas onde nós temos a maior quantidade de água, mais de 80%, está na região norte, onde só tem 5% de população. E onde estamos, que tem mais concentração de pessoas, é cabeceira de bacia. Então estamos com a população no lugar errado. Ou a água está no lugar errado".

E completa: "Onde ela sobra não tem gente para usar, justamente porque a região intratropical que chove bastante tem muita floresta e não tem muitas pessoas habitando. E na Região Sudeste, que é a mais desenvolvida, com grande concentração de população, e que precisa de mais água, nós não temos água suficiente". 

Entretanto, o dr. Paulo Lopes Varella Neto, 57, também governador do Conselho Mundial da Água (WWC, na sigla em inglês) e hidrogeólogo, ressalta que mesmo sendo o Brasil um País privilegiado, "é absolutamente importante que tenhamos um sistema de gerenciamento de recursos hídricos que permita disciplinar o uso e que garanta a água em qualidade e em quantidade para toda a nossa população". E continua: "Devemos ter solidariedade dos países que podem mais, para ajudar os que podem menos, e ver como superar [as situações críticas]".

Isso ocorre porque, desde que o mundo é mundo, os rios sempre foram, e são até hoje, um dos mais importantes recursos para a sobrevivência. São eles que nos fornecem grande parte da água que consumimos, que usamos para o plantio dos alimentos, para a higiene, para cozinhar, enfim... para tudo. Por isso, as pessoas criaram as civilizações ao redor deles.

Esse desenvolvivemento não foi tão bom porque acarretou a poluição de muitos deles, comprometendo a qualidade e quantidade de água. São Paulo é um exemplo disso. A cidade se fundou nas margens dos rios Pinheiros e Tietê, que hoje estão muito poluídos. 

O jornalista Paiva Netto alerta: "Água é Vida, sem ela torna-se impossível qualquer tipo de existência. Poluí-la é crime de lesa-humanidade".

CONTINUAR POUPANDO PARA GARANTIR O FUTURO

A crise hídrica está longe de acabar. Portanto economizar água ainda é a única saída para garantir o abastecimento de todo num futuro nem tão longinquo assim. Veja abaixo algumas dicas.