O drama da fome em pauta

De acordo com a FAO, cerca de 821 milhões de pessoas ainda enfrentam esse desafio no mundo

Da redação

05/05/2021 às 19h37 - quarta-feira | Atualizado em 08/06/2021 às 23h19

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Reprodução/Senar

Gustavo Chianca, representante adjunto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). 

Infelizmente, a falta de acesso regular à alimentação ainda é uma realidade para multidões espalhadas pelo planeta. Para compreender melhor por que cerca de 821 milhões de pessoas não têm comida no prato, o programa Viver é Melhor!*¹, da Boa Vontade TV, conversou com Gustavo Chianca, representante adjunto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). 

Na entrevista, o especialista alerta para as perdas e os desperdícios de produtos, bem como para crises ambientais e político-econômicas, como os principais culpados na manutenção desse problema mundial. Para ele, o consumo consciente por parte da população e a Solidariedade em “compartilhar o pão”*² com quem tem menos são ações indispensáveis para o fortalecimento da segurança alimentar.

A entrevista a seguir consta na edição nº 259 da revista BOA VONTADE. Clique aqui e conheça a publicação

BV — Como a FAO mapeia os domicílios que enfrentam insegurança alimentar grave?

Gustavo Chianca — Para realizar suas estatísticas, a FAO utiliza as informações oficiais do país. No Brasil, usamos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Nesse estudo, as famílias participam de entrevistas e respondem a um questionário com dados sobre a alimentação e o valor que têm para comprá-los. É a partir daí que se identifica o problema. Então, a insegurança alimentar grave ocorre quando não há recursos nem meios para conseguir o alimento e comer naquele dia, quando elas declaram que passaram, pelo menos, um dia naquele mês sem ter o que comer.

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BV — O que tem contribuído para situações como essas?

Gustavo Chianca — É sempre importante falarmos sobre perda e desperdício de alimentos, porque essa é uma realidade muito grave. Hoje, desperdiça-se quase um terço do que é produzido no mundo. Com isso, daria para alimentar toda a população que passa fome: 821 milhões de pessoas. (...) Temos perdas que chegam a ser 15% do que se desperdiça no total, como quando o agricultor colhe seus gêneros de maneira errada ou cai uma caixa do caminhão com destino ao mercado. Temos também o desperdício nos grandes centros de distribuição, supermercados e pequenos comércios, onde os clientes compram itens demais e jogam fora. Esses cidadãos não têm a consciência de que aquela comida poderia ser necessária para outros indivíduos. Daí a importância dos bancos de alimentos, que recebem os excedentes para doação a várias instituições no Brasil, a exemplo dos restaurantes populares.

Diego Ciusz

BV — Há outros agravantes além do desperdício?

Gustavo Chianca — Nas últimas décadas, a população no mundo estava aumentando, mas o número de pessoas com fome, a cada ano, estava diminuindo. Até 2010, 2013, havia uma expectativa grande de que poderíamos chegar, pelo menos na América Latina, à primeira geração sem fome. Acreditávamos que o problema de insegurança alimentar seria resolvido, ou, pelo menos, não o teríamos de forma grave ou muito intensa. E, com isso, achávamos que o planeta poderia chegar a uma situação de insegurança alimentar leve. Algumas coisas mostraram que essa política estava certa: produzir alimento barato, de qualidade e acessível, respeitando a individualidade de cada região. No entanto, alguns bolsões da fome começaram a crescer, principalmente na África Subsaariana. Isso, basicamente, por duas causas. A primeira, conflitos. Vimos no Oriente Médio, no norte da África, vários deles que levaram pessoas a migrar das suas regiões, a perder dinheiro e a ficar pobres. Outro problema foi a mudança do clima. Os agricultores não conseguem mais produzir na mesma escala de anos anteriores. Ou chove muito, ou há uma seca ou calor intensos, o que contribui para a perda de alimentos.

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BV — Pode detalhar melhor essa política de distribuição de alimentos que citou?

Gustavo Chianca — Existe um tripé básico para a garantia da alimentação. Em primeiro lugar, consideramos a produção de alimentos. Não adianta você ter renda se o local onde mora não tem a comida de que precisa. Deve-se produzir alimentos em quantidade abundante e com qualidade. A segunda parte desse tripé é ter meios de fazer esse produto chegar próximo a você, estar no supermercado ou em algum lugar onde possa comprá-lo. Como terceiro ponto, não adianta ter o alimento próximo, e não ter recursos para comprá-lo ou local onde possa receber alguma doação, algum benefício. Esse tripé é o básico da segurança alimentar mundial.

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BV — Quais os impactos da pandemia da Covid-19 com relação à fome?

Gustavo Chianca — Todo ano, a FAO lança as suas estatísticas. Em outubro, teremos novas informações avaliando o impacto da pandemia na situação da insegurança alimentar nos países de todo o planeta. Não temos ainda esses dados oficiais, mas é possível dizer que a renda é muito importante para as famílias adquirirem o alimento que está próximo dos seus lares. Desemprego e crise econômica causam um impacto enorme na segurança alimentar. E estamos vendo crise econômica e índices de desemprego alarmantes. A pandemia tem agravado isso, impactando na quantidade de pessoas que passam fome. Algumas pesquisas no Brasil e no mundo têm indicado que a insegurança alimentar tem aumentado com a pandemia de forma grave. Nós também percebemos isso na cidade em que moramos, ao avistar cada vez mais indivíduos pedindo comida nas portas dos supermercados. É uma situação grave. Aqueles que podem ser solidários devem ajudar da forma que for possível. Precisamos fazer a nossa parte para atenuar essa situação tão grave que estamos vivendo neste momento.

Diego Ciusz

BV — O que fazer para que mais pessoas tenham a dignidade de comer diariamente?

Gustavo Chianca — Primeiro, quero ressaltar o papel de instituições tão importantes e duradouras como a Legião da Boa Vontade. A LBV tem o poder de chamar a atenção das pessoas, não só por causa das suas capacidades de mídia, de informação, como também pelos programas dos quais participamos, das atividades. Então, quero destacar o valor das ações sociais que a LBV tem desenvolvido. Gostaria de falar também da edição da revista BOA VONTADE lançada em abril de 2021, que aborda a guerra contra a fome. Eu tive um grande interesse de ler essa revista, porque apresenta um conteúdo muito bom e traz reportagens e informações importantes. Um dos primeiros passos é conscientizar a população para que ela entenda e possa ajudar o país e o mundo a enfrentar esse problema da insegurança alimentar, da miséria, do desemprego, e também compartilhar a consciência contra o desperdício.

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*¹ Viver é Melhor! — O programa pode ser acompanhado na Boa Vontade TV (de segunda a sexta-feira, das 15 às 16 horas) pela Claro/Net 196 e 696; pela TV digital aberta: canal 45.1 (São Paulo/SP e na região metropolitana); pelo YouTube e site da emissora: www.boavontade.com/pt/tv.

*² “Compartilhar o pão” — Título de artigo do diretor-presidente da Legião da Boa Vontade, José de Paiva Netto, que, há décadas, alerta para a importância da Solidariedade entre os seres humanos. Para lê-lo, clique aqui.