Aborto: suicídio da alma feminina

O ser humano deve orgulhar-se de existir e lutar infatigavelmente pela Vida. Leia este interessante artigo.

Sandra Fernández

16/10/2018 às 10h15 - terça-feira | Atualizado em 16/10/2018 às 15h28

O ser humano deve orgulhar-se de existir e lutar infatigavelmente pela Vida. Vencer a si próprio de modo a conquistar, para todo o sempre, a sua dignidade espiritual, o tesouro que o ladrão não rouba, a traça não rói nem a ferrugem consome (Evangelho de Jesus, segundo Mateus, 6:19). Como revela a Sabedoria, “vencedor é aquele que vence a si mesmo. Deus, que é Vida, para a Vida o criou.” Paiva Netto, Sagradas Diretrizes Espirituais da Religião de Deus, volume I.

O aborto é um dos temas mais polêmicos existentes no cenário mundial. Enganam-se aqueles que o associam apenas à esfera feminina. Esta prática é um objeto manipulado por grupos com interesses políticos, acadêmicos, religiosos, de mercado. Pode ser um fator político decisivo pela disputa da presidência dos Estados Unidos, assim como mais uma prática rentável para grandes companhias de seguro medico e hospitalar. Sem mencionar que o aborto é sempre uma ferramenta de debate utilizado por movimentos em defesa da democracia pela liberdade de escolha da mulher. Enfim, poderia ficar enumerando diferentes víeis sociais que envolvem o assunto, mas o importante é destacar: 56 milhões de abortos são praticados anualmente em todo o mundo conforme dados oficiais do Instituto Guttmacher. São 56 milhões de crianças que não chegam a existir.

A ciência, todavia, discute quantas semanas são necessárias para que um feto seja considerado um bebê. É interessante deixar claro que não é o fator existência que está sendo discutido pela ciência mas, sim, o tempo. O que na realidade transforma o feto em um indivíduo pronto para nascer é o tempo da relação entre mãe e filho. O tempo que a mulher possui carregando a criança em seu ventre.

Nessa disputa pelo tempo diversas contradições emocionais e psicológicas irão determinar, por parte da mulher, a decisão de continuar ou não sua gravidez. O ato de abortar tem fatores externos poderosos como a pressão de viver em uma sociedade cada vez mais individualista e até mesmo utilitarista, em que o individuo necessita ser o modelo perfeito para encaixar-se nos padrões de sociabilidade atual em que é certo possuir tudo o que proporciona prazer e que nao é errado desfazer daquilo que não se encaixa ou dificulta os objetivos últimos.

Apesar de a mídia criar a ideia de uma sociedade cada vez mais liberta de suas antigas tradições e preconceitos é comum não ser discutida a questão da responsabilidade por parte dos pais, da família, nos casos de gravidez na adolescência. Um dos argumentos defendidos para interromper a gravidez na juventude baseia-se em que jovens (garota e garoto) terão seu futuro promissor interrompido pela paternidade, aliado ao fato de que a gravidez irá trazer uma carga de responsabilidade para toda a família e que muitos não estão estruturados para essa responsabilidade extra.

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Existem seguimentos da mídia e da elite intelectual que justificam a pobreza, a violência e a idade materna para discutir a interrupção de uma gravidez como direito de liberdade de escolha, de autonomia da mulher sobre o seu corpo. Entretanto, seria mesmo a questão da pobreza ou o direito de livre escolha da mulher os verdadeiros motivos para que grupos defendam essa prática?

Tirania do individualismo

Richard Sennett, em O Declínio do Homem Público – As Tiranias da Intimidade, diz que o capitalismo aconteceu no século 19 por conta da sociabilidade gerada pela burguesia. A expansão da sociedade burguesa proporcionou uma origem de estrutura de personalidade, em que há uma distinção entre público e privado. A política pertencia ao mundo público e masculino, afastado do universo privado. Esse modelo vai se esgotando no início do século 20.

As pessoas começam a sair às ruas com suas famílias e ganham as calçadas gerando uma ideologia intimista. Inventa-se o termo “amigo íntimo” e uma tendência de relacionar-se cada vez mais com os que se parecem com elas. Surge um tipo de “comunidades destrutivas” em que se exclui o que não é igual “em que os homens temerosos a construir relações sociais se enclausuram em micro-círculos sociais fechados” (Botton, 2010:628). As pessoas sentem cada vez mais a solidão. Esse individualismo cria o culto narcisista e niilista (cético) cooperando para o perfil conformista da sociedade contemporânea.

A partir da teoria de Sennett, podemos analisar que o individualismo em seu excesso pode querer também excluir aquilo que é capaz de modificar uma vida já idealizada sob um modelo perfeito, isto é, uma criança não esperada pode ser o diferente não desejado nesse modelo perfeito. A solução: o aborto, a exclusão do que não é querido, do que não é igual a mim.

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Outro autor, David Riesmann, em A Multidão Solitária, diz que o fenômeno da classe média cria a sociedade da abundância, uma estrutura de personalidade geradora de insolidariedade. Uma multidão de pessoas que andam nas ruas, mas anônimas, sem nenhum laço de solidariedade em que os sistemas valorativos entram em declínio. A base da personalidade dessa sociedade é o conformismo, a que se ajusta ao seu mundo, a que se adequa aos modismos de sua era.

Citei esses dois autores porque nas pesquisas das organizações que fazem estudos sobre o aborto, encontramos que pobreza, estupro e má formação dos órgãos são motivos comuns alegados para a prática do aborto. Entretanto, o maior índice de abortos está relacionado ao item “sem motivo”, ou seja, sem uma razão se não o próprio “não querer”. “Que modelo de sociedade é essa?”, perguntamos então. Como defender a prática do aborto utilizando a democracia (que é uma teoria de governo brilhante) para legitimar o direito da mulher de excluir o não desejado? É a tirania do individualismo.

O aborto como ferramenta de exclusão. Excluir possíveis crianças de rua, possíveis deficientes físicos, possíveis portadores de doenças crônicas, de raças inteiras. Se não nos preocuparmos com as políticas de exclusão, estaremos pactuando com a sociedade do conformismo.

Sociedade civilizada?

Joyce Arthur, fundadora do Abortion Rights Coalition of Canada, fez um estudo no ano de 1999, intitulado “Aborto Legal: o sinal de uma sociedade civilizada”, comparando os benefícios sociais que os países com práticas legais do aborto possuem em relação às demais nações onde a prática é condenada. Ela declara que o aborto legal está relacionado aos países com maior índice de desenvolvimento intelectual, social e cultural. Alega que a maternidade obrigada é o único tipo de escravidão que vitimiza somente mulheres e crianças.

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O aborto, conforme a autora, é provavelmente o procedimento cirúrgico mais comum no mundo. Em seu estudo de 1999, a autora menciona que 46 milhões de abortos são feitos a cada ano, sendo que 20 milhões deles são ilegais. A cada mil mulheres grávidas, 35 decidem abortar. O risco de morte nesses processos cirúrgicos também foi analisado pela pesquisa, que, constatou que, em 100 mil abortos, 330 mulheres morrem provenientes de práticas clandestinas.

Em certo momento do seu estudo, Joyce Arthur questiona a posição do Brasil na liderança dos países em fase de pleno desenvolvimento econômico e que não possui a prática do aborto amparada pela Lei. A pesquisadora menciona que 1,5 milhão de abortos são feitos anualmente no Brasil*¹. Em consequência dessa prática, 250 mil mulheres são hospitalizadas e milhares morrem. Ela finaliza a citação ao Brasil com as seguintes palavras: “Apesar de todos esses motivos, você já deve ter ouvido falar sobre a séria
epidemia das crianças de rua do Rio de Janeiro, em que são forçadas ao crime e à prostituição para manterem-se a si mesmas. A polícia os consideram vermes, algumas vezes atiram nelas como se fossem ratos”.

Ora, é compreensível a intenção da autora em defender aquilo que acredita ser certo, porém, sendo brasileira, não posso concordar com essa afirmação que demonstra o não conhecimento a respeito das nossas crianças pobres. Se aplicarmos a teoria de que o aborto é a solução para a problemática “menino de rua” concordamos que quem nasce pobre não pode ter futuro. Isto é, se o aborto fosse uma prática legal não haveria crianças na rua? Nesse caso, o aborto seria uma política de eleição.

Um dos mais importantes sociólogos brasileiros, considerado mestre por intelectuais famosos no Brasil e no exterior, veio de um lar extremamente pobre, consta de sua biografia que ele nasceu de mãe solteira no ano de 1920 na área rural do interior de São Paulo, onde seu avô era colono. Não conheceu o pai. Sua primeira infância passou na casa de sua madrinha que lhe ensinou o amor aos livros e aos estudos. Apos a morte do seu avô de tuberculose, sua corajosa mãe mudou-se para a cidade de São Paulo onde trabalhou como empregada doméstica. Começou a trabalhar como auxiliar numa barbearia aos seis anos de idade, trabalhou como engraxate e só estudou até o terceiro ano do Ensino Fundamental. Só mais tarde, quando trabalhava como garçom, pode voltar aos estudos em cursos noturnos. Ingressou na faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e em 1951 defendeu a sua tese de doutorado “A função social da guerra na sociedade tupinambá”, um clássico da etnologia brasileira.  

Se a mãe desse importante intelectual o tivesse abortado devido as precárias condições materiais que precisaria enfrentar na criação do seu filho, a Sociologia não teria conhecido Florestan Fernandes, um dos principais cientistas sociais do século passado.

Há muitos exemplos na História e contemporâneos a nós que inverteram a situação de pobreza e mudaram seu destino. Sabemos da falta de recursos financeiros em muitos lares, mas não significa dizer que somente por ser pobre o indivíduo será ladrão ou optará pela prostituição.

É sério e grave o problema da infância pobre no Brasil, mas a discussão é outra: políticas publicas eficazes, educação, saúde, cidadania, solidariedade, mas, não ao aborto, como alerta o jornalista Paiva Netto no artigo “Aborto e Vida Eterna”: “Quanto à argumentação de alguns de que é preferível abortar a permitir às futuras gerações viverem em países incorrigíveis na falta de cuidados com a sua população humilde, trata-se de conversa muito mal explicada, porque o crescimento demográfico no Brasil, por exemplo, tem diminuído. E mais: ninguém ignora que está ocorrendo a esterilização de incontáveis mulheres brasileiras, desde as idades menores. Se não houver verdadeiro sentido de preocupação social com a nossa gente, as populações deste País poderiam cair à metade do que atualmente existe, e o problema da pobreza não estaria resolvido”.

Um negócio bilionário

O sistema americano permite os estados regirem suas próprias leis como o caso da pena de morte, em que alguns estados permitem a lei capital e outros não. No caso do aborto, todos os estados permitem essa pratica, entretanto, muitos estados não permitem o pagamento do aborto através do seu sistema público de saúde Medicaid. Esse mecanismo de cobertura ou não pelo Medicaid faz uma grande diferença no cenário dos estados para detectar as áreas com maior e menor índice de aborto. Nos estados em que a prática possui cobertura através do seguro público de saúde, o número de abortos é maior em relação aos estados em que o sistema público de saúde não inclui essa prática médica.

Nos estados em que o aborto possui cobertura pelo Medicaid, os preços cobrados nas clínicas de aborto são menores. Nos estados que não possuem cobertura médica, os preços cobrados são superiores. Mas, isso não impediu que houvessem 652.639 abortos legais no ano de 2014, conforme dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (Center for Disease Control and Prevention).

O Instituto Guttmacher, porém, divulga um numero maior para os Estados Unidos no mesmo ano: 926.200. No país, qualquer mulher grávida pode recorrer expontaneamente ao aborto ate 24 semanas a partir da última menstruação, ou seja, aos 6 meses de vida gestacional do bebê. Após 24 semanas e até 36 semanas — aos 8 meses de vida intra uterina da criança — somente com determinação médica e/ou jurídica  

Na cidade de Los Angeles, Califórnia, o preço médio por amostragem cobrado por um aborto não-cirúrgico e/ou cirúrgico até 11.6 semanas e $650.00 dólares mais medições, exames e taxas. Por um aborto cirúrgico de 11.6 até 15.6 semanas cobra-se $800.00 mais taxas etc. De 15.6 a 17.6 semanas o preço é $1,050.00 por um aborto cirúrgico. A partir de 17.6 até 19.6 semanas o valor por um aborto cirúrgico e $1,700.00. Com 19.6 ate 21.6 semanas o preço cobrado e $2,225.00 dólares. A partir da semana 21.6 até a semana 24 o valor e de $3,275.00 dólares. A pílula abortiva custa $605.00. Todos esses valores somam-se mais gastos com exames, medicações e taxas. Esses valores variam por cidade e movimentam um mercado de 600 milhões de dólares anualmente nos Estados Unidos e de aproximadamente 19 bilhões de dólares em todo o mundo.

Depressão pós-aborto

As clínicas para conseguirem seus clientes possuem argumentações como “Grávida e assustada: Nós temos a solução”; “Grávida? Assustada? Você não está sozinha”; “Surpreendentemente Simples”; e assim por diante. Ao ler os testemunhos deixados por clientes que utilizaram os serviços, vimos que tudo ocorreu muito bem, que receberam ajuda na hora que necessitavam etc, mas nâo há menção a depressão e desajustes emocionais que a maioria das mulheres sofrem após a prática do aborto.

Os profissionais são muito cordiais e oferecem o que naquele momento a cliente deseja ouvir, mas não mais estarão lá depois da interrupção da gravidez. Ficará apenas a mulher e a sua consciência.

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Conforme destaca a organização Hope after the abortion: “Mulheres que escolheram o aborto são constantemente perseguidas pelo pensamento obsessivo: ‘Eu matei o meu bebê!’ Elas se encontram sozinhas para lidar não apenas com a perda de uma criança que elas nunca conhecerão, mas, também, com a responsabilidade pessoal na morte de sua criança. Sua culpa não é apenas subjetiva ou neurótica; é objetiva e real. Tudo ao seu redor as recorda constantemente do ato que praticaram: como o dia possível que seria o parto da criança; quando veem crianças da mesma idade que a sua teria; visitas ao ginecologista; quando escutam o aparelho de sucção no consultório do dentista; um comercial de bebê na televisão; um novo nascimento de um bebê; outra experiência de morte. Todos esses fatores podem desencadear um complexo de culpa, dor, ódio e até mesmo desespero. Esse ciclo tipicamente continua por muitos meses ou anos até que uma ajuda apropriada seja encontrada. Muitos profissionais da área da saúde mental demoram a reconhecer fragmentos de traumas pós-aborto em suas pacientes”.

Riscos para a saúde

A dra. Caroline Moreau, do hospital Bicêtre (Val-de-Marne), em Paris, e seus colegas analisaram 1.943 casos de gravidez com 20 semanas de gestação, chegando ao resultado de 276 desses nascimentos prematuros e 618 nascimentos em tempo regular. As mulheres que tiveram um antecedente de interrupção voluntária da gravidez, o aborto, apresentaram um risco mais elevado (multiplicado por 1,5) de partos prematuros, com o particular risco de nascimento de 28 semanas multiplicados por 1,7. Um antecedente de aborto está associado a um aumento de risco de ruptura prematura das membranas e do risco de hemorragia no pré-parto. Esta em avaliação se antecedente de interrupção voluntária da gravidez aumenta de maneira significativa o risco de nascimento de bebês extremamente prematuros. (Jornal Britanico de Obstetricia e Ginecologia 2005; vol 112: p.430-437)

Existem organizações que alertam as mulheres para diversos riscos em que se expõem ao praticarem o aborto, mesmo em condições médicas tidas como “seguras”: morte, hemorragia, infecção, perfuração do útero, histerectomia (remoção total do útero), estenose (endurecimento de tecidos provocando cólicas sem menstruação), aborto incompleto (quando a técnica utilizada falha na remoção do tecido da gravidez e o bebê continua dentro da barriga da mãe, o que causará muito sofrimento ao bebê e à mãe, necessitando remoção cirúrgica) e uma consequência de médio ou longo prazo, o desenvolvimento do câncer de mama.

A American Cancer Society afirma que até hoje não há uma evidência científica que comprove de forma absoluta que o aborto aumente o risco do câncer de mama. Porém, um estudo muito respeitado por pesquisadores da área, feito no ano de 2014, por Yubei Huang, da Universidade de Tianjin, e que foi publicado no jornal Cancer Causes and Control, atesta que, em 36 estudos realizados na China, foi identificado uma taxa de 44% do risco de câncer de mama entre mulheres com histórico de um aborto em relação a mulheres que nao o praticaram. O risco aumenta para 76% quando a interrupção voluntária da gravidez é praticada duas vezes e  aumenta-se para 79% quando a mulher pratica pela terceira vez o aborto.

Outros estudos relacionam que o aborto expõe a mulher ao câncer de mama por interromper de forma não natural o desenvolvimento das células que produzem o leite materno. Os hormônios que produzem esta substância já estão presentes nos primeiros instantes da gravidez. Quando se interrompe de forma voluntária a gravidez, a mulher permanece com o corpo repleto dos hormônios estrógeno e progesterona, tornando as células mamárias vulneráveis a uma tramutação celular, aumentando o risco de tornarem-se cancerígenas.

Irlanda garante status de cidadão ao feto

Na Irlanda, a luta contra o aborto conseguiu um avanço nas leis: foi criada uma emenda constitucional delegando ao feto o direito constitucional de nascer. Em vez de feto foi utilizado o termo “cidadão por nascer”.

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Este feliz exemplo dos parlamentares irlandeses vem ao encontro do que registrou o jornalista Paiva Netto na década de 1980 quanto à defesa legal que o feto deveria possuir em detrimento à arbitrariedade dos adultos por ele responsáveis: “Quem não conhece os Deveres Espirituais não saberá  respeitar os Direitos Humanos em sua inteireza, incluídos os direitos das vítimas, que vão além dos patamares atingidos pelos seus mais atilados defensores, na maioria das vezes adstritos à análise dos fatos pelo critério unicamente material, o que não é suficiente. Cidadania, no seu sentido lato, não se restringe ao corpo físico do cidadão, pois se prolonga ao seu Espírito eterno. A compreensão disso será uma das maiores vitórias da sociedade no próximo milênio. A personalidade física de cidadão deveria ser estendida ao feto, para que pudesse, por meio de procuração, sob forma que o Direito determinaria, obter capacidade de defesa de sua vida, já que a Ciência está demonstrando que a existência humana tem início no instante em que o espermatozoide adentra o óvulo. (...) Quanto ao fato da possibilidade de o Direito admitir procuração do feto na sua luta inconsciente pela sobrevivência a um causídico, não tem nada de ridículo. Ridícula e, muito mais que isto, trágica é a morte de quem não pode a si mesmo defender”.

Leis contra a Vida

É o que vemos acontecer na China, em que o aborto é exigido por lei nos casos de casais que já possuem um filho. É impressionante o estudo “Controle de Natalidade na China de 1949 a 2000: Política de População e Desenvolvimento Demográfico”, feito pelo pesquisador alemão Thomas Scharping. Ele começa perguntando como é possível uma pequena elite, conseguir a partir de uma oficina de trabalho controlar a reprodução de centenas de milhares de famílias? Nesse estudo, Scharping explica como e por que os líderes chineses decidiram subjugar o nascimento de crianças ao controle burocrático. O Estado vive o desafio de não poder planejar a fertilidade tão facilmente como controla os negócios econômicos. Entretanto, pais em potencial são mais numerosos que as empresas estatais e mais motivados para a reprodução.

O Estado colocou em prática regras, serviços de contracepção, propagandas massivas e um sistema de oficiais treinados para detectar fraudes na declaração de número de filhos. Os casais que possuem apenas um filho conseguem benefícios como tratamento preferencial para a criança na escola, recebem melhores casas para viver, assistência médica e isenções de encargos.

Os contratos de trabalhos são as melhores armas no controle da natalidade. Em algumas cidades consta nos contratos de trabalho a exigência de apenas um filho por empregado. Há diversos tipos de punição para as famílias que não respeitam e tentam burlar essas leis. Os oficiais chegam de repente nas casas em busca de brinquedos, mamadeiras, chupetas, roupas que indiquem a existência de crianças não declaradas, ou examinam os dentes da criança para certificar se a idade corresponde com a declaração de nascimento. Em decorrência do controle excessivo, a interrupção brusca da gestação é frequente entre os chineses. É um aborto diferente dos demais países, cujas mulheres recorrem a essa prática motivadas por questionamentos pessoais. O aborto na China é coercitivo, motivado pela burocracia do Estado, sangrando a Alma das famílias chinesas.

Aborto e as Leis Espirituais

Por que o tema do aborto não consegue uma aceitação unânime por toda a sociedade, como acontece, por exemplo, nos casos de mobilização de luta pelo desenvolvimento sustentável ou pelos movimentos de preservação da Natureza?

José de Paiva Netto, em seu artigo “Aborto e Vida Eterna”, argumenta que aqueles que defendem a prática do aborto o fazem firmados na visão distorcida dos Direitos Humanos, fazem-no por desconhecer os Direitos Espirituais.

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Prossegue o autor: “Entre eles, há pessoas dignas do maior respeito. Contudo, seriamente equivocam-se ao pensar que a morte termina com tudo e/ou por ignorar a Lei da Reencarnação, que se trata de misericordiosa oportunidade concedida por Deus para o desenvolvimento de nossas Almas com a correção de nossas faltas. Assim, muitos ainda ignoram que, para o Espírito, por mais absurdo e incrível que lhes possa parecer, muitas vezes é necessário retornar com problemas físicos e/ou mentais, porque precisam livrar-se de desvios do passado (e surgirem luminosos como Espíritos libertos). Erros não apenas referentes ao Ser reencarnante, mas também aos pais que, por isso, no Mundo Espiritual prometeram dar ao necessitado de vencer as provações a oportunidade de voltar à carne. Abortar é, pois, transferir a prova para mais tarde, com acréscimos dolorosos para todos os infratores da Lei da Vida. Aos que apelam para o livre-arbítrio concedido pelo Criador, fraternalmente advertimos que Deus nos deixa moralmente livres, mas não irresponsavelmente livres. De Deus não se zomba, alertava Paulo em sua Epístola aos Gálatas, 6:7, completando: Aquilo que o Homem semear, isso mesmo terá de colher.”

O jornalista Paiva Netto  nos sugere que há tempo para a criação de uma sociedade realmente solidária, pensando em seus valores e respeitando a Vida para não cair na figura do herói insano de Jean-Jacques Rousseau no Discurso da Desigualdade: “O homem selvagem, depois de ter comido, fica em paz com toda a natureza e é amigo de todos os seus semelhantes. Caso, por vezes, tenha de disputar a alimentação, jamais avança desferindo golpes, sem antes ter comparado a dificuldade de vencer com a de encontrar em outro lugar sua subsistência, e, como o orgulho não interfere no combate, este acaba com alguns murros; o vencedor come, o vencido vai tentar a sorte e tudo fica em paz. Mas, com o homem em sociedade, as coisas se passam muito diferentemente: trata-se, em primeiro lugar, de atender ao necessário e, depois, ao supérfluo; depois, vêm as delícias e, depois, as imensas riquezas; depois, os súditos e os escravos. Não há um momento de descanso. O que há de mais singular é que, quanto mais naturais e prementes são as necessidades, tanto mais aumentam as paixões e, o que é pior, o poder de satisfazê-las, de forma que, depois de longas prosperidades, depois de terem se devorado muitos tesouros e arruinado muitos homens, meu herói acabará por tudo sufocar até que seja ele o único senhor do universo. Esse, abreviadamente, o quadro moral, senão da vida humana, pelo menos das pretensões secretas do coração de todo homem civilizado.” (Os Pensadores, p. 298).

E continua o escritor Paiva Netto: “O Direito tem por dever abrir os caminhos para a integração do humano ao Divino, no campo das relações humanas e principalmente nas de Estado, tendo em vista a situação atual do mundo. Tristemente escreveu Jacques Austruy, em O Escândalo do Desenvolvimento: ‘Fundamentalmente, neste domínio, o papel do poder consiste em tornar a ilusão um bem de consumo e fazer da esperança um lucro’. E não há maior ilusão do que pensarmos que a morte determina o fim da Vida. Este é um equívoco de consequências trágicas para a Humanidade. Quousque tandem? (Até quando?) A respeito de ilusão, ponderou o Dr. Paul Gibier que a chamada realidade (restrita aos sentidos físicos) é a grande quimera dos homens. E qual tem sido a pior fraude consumida pelo mundo? Ser levado a considerar que o material está acima do espiritual. Daí todas as distorções, porque, como afimava o saudoso fundador da LBV, Alziro Zarur (1914-1979): ‘O que errado se inicia, errado vai até o fim’. Ora, o roteiro adequado estabeleceu-o Jesus no Seu Evangelho, segundo Mateus, 6:33: Buscai primeiramente o Reino de Deus e Sua Justiça, e todas as coisas materiais vos serão acrescentadas.”

A coragem de Maria

O Cristo Jesus pode ser considerado o fruto da primeira ativista contra o aborto mencionada pela História — Maria. Quando o Anjo anunciou à Virgem que ela traria aos olhos do mundo o Espírito de Jesus, ela aceitou, mesmo correndo o risco de ser massacrada pela sociedade da época. Passados dois mil e dezoito anos, todos concordam que a sociedade era bem diferente da atual. Maria não era casada. Era noiva. Se ainda em nossos tempos muitas mulheres solteiras sofrem discriminação por estaram gravidas, não temos fatores para mensurar a discriminação por ela sofrida . Entretanto, Maria aceitou a missão de ser a Mãe de Jesus. Isto é, não abortou a sua missão, o que poderia ter feito usando seu livre-arbítrio. E o mais importante é que por todo o Evangelho não vemos nenhuma menção ao preconceito que certamente a gravidez simbólica de Maria causou na época, nada disso sobreviveu à passagem do tempo.

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Pelo contrário, ela deixa um cântico de agradecimento a Deus afirmando quão bem-aventurada era por ter a oportunidade de ser Mãe (Evangelho de Jesus, segundo Lucas, capítulo 1, versículos 46 a 55), provando que ser Mãe supera qualquer sofrimento. Ao contrário do que se divulga como uma solução, abortar pode retirar do Eu feminino aquilo que lhe é mais bonito, a sua capacidade de transformação e de criação, a sua capacidade de se reinventar em outro ser, sua Alma de Mulher.

E, para concluir, esse trecho do artigo “A maior das reformas: a do Homem” do escritor Paiva Netto: “O planeta é belíssimo! Convida à vitória. Mas o Homem... tem sido o que se vê… Por isso, a maior das reformas é a do próprio Homem. Urge neste término de ciclo que esta preceda as demais. A Vida é uma conquista diária. Uma lição de Fé Realizante a todo momento exigida, para que a criatura de Deus não caia na ociosidade, mãe e pai dos piores males que assolam o Espírito e enfermam o corpo, consequentemente. Na verdade, não basta ter agido bem ontem. Necessário se faz melhor caminhar hoje e ainda mais gloriosamente amanhã.”

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*¹ Dados do ano de 1999.