Gabrielzinho do Irajá

Talento precoce no palco e na música

Hilton Abi-Rihan

09/10/2018 às 20h28 - terça-feira | Atualizado em 09/10/2018 às 20h42

Marcia Salles/Teatro Rival Petrobras

Gabrielzinho do Irajá durante espetáculo em homenagem a Dorival Caymmi, no qual recorda os principais clássicos do saudoso baiano. A apresentação no Teatro Rival Petrobras, na capital fluminense, ocorreu em 16 de agosto, data em que se completava uma década do falecimento de Caymmi

Ator, cantor, versejador, compositor e partideiro, com 22 anos de idade e 17 de carreira, Gabrielzinho do Irajá — como ficou conhecido artisticamente Gabriel Gitahy da Cunha — é um grande exemplo de vida e de superação. Mesmo apresentando deficiência visual, vem trilhando notável trajetória musical. Essa privação de um dos cinco sentidos nunca o impediu de buscar a concretização de seus sonhos e de desenvolver seus talentos. Não à toa, é reconhecido e admirado pela atuação, pela interpretação de sambas de partido-alto e pela capacidade de improvisar versos.

Precoce, aos 2 anos e meio, o menino teve a vocação despertada ao ouvir a canção Resposta ao tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc. “Eu estava escutando uma novela e me chamou a atenção a voz da cantora Nana Caymmi, que interpretava uma música. Pedi para ir ao show dela no Canecão [antiga casa de espetáculos no Rio de Janeiro/RJ]. O rapaz da produção até brincou, dizendo que minha mãe tinha que me levar ao Fantástico [programa de TV da Rede Globo], porque era anormal uma criança de 2 anos e meio gostar tanto da família Caymmi”, revela.

Essa descoberta fez surgir novas fontes de inspiração. “Eu conheci a Nana, virei um grande fã e comecei a colecionar CDs dela. [De] Presente de aniversário dos 3 anos, queriam me dar carrinho, boneco... ‘Não! Quero CD da Nana!’ Tinha um com a participação do Dorival Caymmi [1914-2008] cantando Acalanto com ela, e, aí, conheci a obra de Caymmi. Fiquei sabendo que a maioria das músicas [desse disco] é dele. Apaixonei-me por sua obra; pela história dele; pelo jeito que falava do mar, das mulheres, da Bahia, de tudo”, realça.

A fim de contar um pouco de sua vida e de seu trabalho, Gabrielzinho aceitou o convite do programa Samba & História, da Boa Vontade TV, para um bate-papo. Descontraído, lembrou fatos da carreira e apresentou músicas do espetáculo que está levando a várias cidades do Brasil, no qual recorda os principais clássicos de Dorival Caymmi, exatamente neste ano de 2018, em que, no dia 16 de agosto, se completa uma década do falecimento desse baiano ilustre. Com roteiro e direção de Marcos Salles e direção musical e arranjos do violonista Márcio Ricardo, Gabrielzinho do Irajá canta Caymmi traz os sucessos Marina, A vizinha do lado, Só louco, O que é que a baiana tem?, Você já foi à Bahia, Vatapá, Sábado em Copacabana, entre outros.

O cenário escolhido para a encenação é uma vila de pescadores, na qual Gabrielzinho conversa com um velho pescador acerca da vida e da trajetória artística do saudoso compositor, desde o nascimento dele, passando por sua chegada à capital fluminense, pela conquista da popularidade no rádio e pelas histórias curiosas de suas canções, muitas delas narradas pelo próprio Caymmi ao jovem. “Falo sobre a saudade, as músicas... Conto o motivo de todos os filhos de seu Durval, que é o pai dele, serem com a letra ‘D’ no começo. Os dois primeiros morreram enforcados com o cordão umbilical. Então, ele fez uma promessa de que, se tivesse mais filhos, eles teriam [como inicial do nome] o ‘D’ de Deus. Aí, vieram Deraldo, Dinah, Dinahir e Dorival, que é o último”, ressalta.

Do Irajá para o Brasil

Gabrielzinho nasceu no bairro do Irajá, um dos redutos do samba carioca. Nesse berço, teve contato com a música e o ritmo que tanto o encantam, apoiado por uma amiga especial. Esta ajudou a ampliar o gosto do menino, que adorava MPB. “Com 5 anos, conheci a Dorina [nome artístico de Adorina Guimarães Barros], e ela me deu um disco de presente, que havia acabado de lançar. Gostei muito da música Dona Maria do Babado. Comecei a ir aos shows dela, na Casa Mãe Joana, um lugar em que eu nem podia entrar [por causa da idade], mas em que ficava escondido embaixo de uma mesa, ouvindo. Ela me chamava e colocava o microfone ali, e eu cantava. Ninguém sabia de onde estava vindo aquela voz”, relata.

Depois de escutar o CD, descobriu que a cantora fazia a apresentação do programa Dorina Ponto Samba, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Passou, então, a acompanhar a atração. Além de aprender a amar o ritmo, começou a ir a vários locais com a sambista e a entrar em contato com outros artistas. “Eu conheci Arlindo Cruz, Luiz Carlos da Vila [1949-2008], Monarco, Wilson Moreira, Nelson Sargento, grandes compositores. A Dorina me apresentava para todos eles como ‘Gabrielzinho do Irajá, a mais nova semente plantada no samba’”, rememora.

Em pouco tempo, ele havia organizado a própria roda de samba. Surpresos com o talento do garoto, muitos músicos começaram a convidá-lo a participar de shows em teatros e casas de espetáculos. Esse apoio foi determinante para o início da carreira do jovem prodígio.

Já estabelecido como cantor e compositor, Gabrielzinho planeja atualmente novas incursões na área da atuação, entre estas a citada peça sobre Caymmi, em cartaz, sempre levando a bandeira da inclusão.

Quase no fim da entrevista, fez questão de comentar o pensamento, lido por mim, “Assim como a vida, a esperança não morre nunca! Lutar por elas e perseverar no Bem são escolhas acertadas”, do diretor-presidente da Legião da Boa Vontade. “José de Paiva Netto, parabéns! É verdade: ‘enquanto há vida, há esperança’. A gente tem que ter sempre esperança de um futuro melhor, de um mundo melhor para os nossos jovens”, afirmou, como a relembrar a sua trajetória para superar as dificuldades.

Antes de se despedir, ele ainda convocou as pessoas a colaborar para a continuidade das ações da LBV. “Quem faz pelas crianças e pelos idosos tem o meu respeito. Os idosos porque, se não fossem eles, a gente não estaria aqui. As crianças por serem o nosso futuro. E a LBV não faz só por eles, mas pelos deficientes, por todos. O povo precisa desses cuidados, [desse] carinho. Então, a LBV está de parabéns pelo trabalho que realiza por todos os cidadãos do nosso Brasil.” 

Prodígio do Irajá

— O Irajá, bairro onde Gabrielzinho nasceu, em 28 de janeiro de 1996, pertence ao subúrbio carioca e é um dos redutos do samba na cidade. É famoso o bloco carnavalesco Bhoêmios do Irajá. Da localidade também despontaram o compositor e escritor Nei Lopes, o cantor e compositor Zeca Pagodinho, a cantora Dorina e o percussionista e compositor Darcy Maravilha.

— Prematuro de 7 meses, Gabrielzinho sofreu paradas cardíacas e respiratórias, que o deixaram cego. Aos 2 anos e meio de idade, havia decorado a letra de Resposta ao tempo. Com 3 anos, cantava em casa várias composições de Dorival Caymmi.

— Participou da peça infantil O Mágico de Oz, quando estudava no Instituto Benjamin Constant, estabelecimento para o ensino de cegos na cidade do Rio de Janeiro. Isso chamou a atenção da escritora Gloria Perez, que o convidou a atuar na novela América (2005), da Rede Globo. Na época, ele declarou: “Estou lá para mostrar para muitas mães que as crianças cegas ou com qualquer outro tipo de deficiência não podem ficar em casa trancadas, escondidas, sem nem ir à escola. A gente precisa dar o exemplo”.

— Compôs o hino da escola de samba mirim Filhos da Águia. Hoje, realiza shows e faz parte de rodas de samba na capital fluminense.

Acompanhe o programa Samba & História

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