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Planeta em alerta: Aquecimento Global acelera e ameaça nosso futuro
O climatologista Carlos Nobre faz sério alerta sobre as altas temperaturas no globo e fala de o risco de biomas chegarem ao ponto do não retorno
Leila Marco e Alan Lincoln
06/02/2025 às 09h49 - quinta-feira | Atualizado em 07/02/2025 às 14h14
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Carlos Nobre
O que está acontecendo com o nosso planeta? Segundo cientistas, dentre os quais o climatologista Carlos Nobre, “[nós, seres humanos,] aceleramos o processo, não prevíamos que já em 2023 a temperatura atingiria 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais [1850-1900], que poderia ser atingido em 2050. Com isso, a intensidade, a severidade, o grau dos extremos climáticos ficaram muito maiores”. Nobre refere-se à temperatura média global que tem sido observada num período de 16 meses, em que o mês de outubro foi o 15o mês cujo valor registrado ultrapassou o limite de +1,5 ºC, medida essa definida, em 2015, por 195 nações ao assinarem o Acordo de Paris, para mitigar as consequências do aquecimento global. No documento internacional, havia a previsão de reduzir as emissões dos gases do efeito estufa (GEE) de 28% para 42% até 2030, de modo que não passássemos de 1,5 ºC em 2050. Mas, ao contrário disso, essas emissões vêm aumentando e mostram a potência de destruição que persiste no longo prazo, quando se poderá afirmar que a Terra ultrapassou definitivamente esse limite.
No Brasil, esses reflexos climáticos já foram sentidos, por exemplo, nas tempestades que ocorreram no Rio Grande do Sul em maio deste ano, que provocaram a pior catástrofe natural do Estado. Além disso, nos últimos meses, o país vivenciou a maior seca das últimas sete décadas, de acordo com dados do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). A forte estiagem afetou uma gigantesca área da Amazônia ao Paraná, potencializando incêndios e levando destruição e perdas aos brasileiros. O cientista ainda deu mais detalhes do que poderá ocorrer com o mundo se ações mais rigorosas e eficazes para combater a mudança climática não forem tomadas de imediato. Sem essas medidas, diz Nobre, “estamos caminhando para um futuro em que vastas regiões do planeta poderão se tornar inabitáveis, com impactos profundos para a vida”. Veja, a seguir, outros destaques de sua entrevista.
BOA VONTADE — O que essa temperatura de 1,5 ºC mais quente do que a verificada na época pré-industrial pode significar para os povos?
Carlos Nobre — Ela é a mais alta que o planeta já atingiu desde o último período interglacial, nós temos aí 120, 130 mil anos. Com isso, os eventos climáticos extremos vão aumentando muito rápido. Ondas de calor, secas, chuvas extremas, incêndios florestais, tudo isso está crescendo de forma bastante rápida, estão sendo batidos todos os recordes. Em 2023 e 2024, isso tem ocorrido e nos dá uma preocupação muito grande, porque a Ciência indicava que não podíamos passar disso. A Ciência ainda não consegue dizer se essa temperatura será permanente ou se irá ultrapassar. São necessários novos avanços para explicar o porquê de a alcançarmos tão cedo.
BV — Em setembro de 2023, ocorreu um megatsunâmi, que passou desapercebido pela maioria das pessoas. O que se deu?
Carlos Nobre — Houve uma preocupação muito grande. Em várias épocas do verão no Hemisfério Norte, o nível da camada de gelo polar ficava por volta de 3 quilômetros de altura, mas ele tem diminuído, e, quando chove* — porque a temperatura tem ficado acima de zero grau —, esse gelo vira água, criando uns riozinhos verticais, que, ao chegarem na rocha, desestabilizam os mantos de gelos, e eles começam a escorregar. Isso está se dando há décadas na Groenlândia. Dessa vez, bateu recorde: um bloco enorme de gelo escorregou e, ao cair no oceano, gerou essa super onda de 200 metros, um tsunami. O que a gente conhecia até hoje eram tsunamis por terremotos, no fundo dos oceanos, não que isso nunca houvesse acontecido, mas essa foi a primeira vez que a Ciência mede esse tsunami provocado por um manto de gelo.
BV — Quais os desdobramentos desse degelo?
Carlos Nobre — Esse degelo na Groenlândia aumenta o nível de mares e oceanos muito mais rápido do que antes. (...) Não sabemos ainda o risco total desses escorregamentos, agora a Ciência começa a estudar o que provocou esse megatsunâmi. A Antártica tem também um manto de gelo grande que dá sinais de risco; se ele escorregar, o que pode levar muitas décadas, é possível que o nível do mar suba até 40 centímetros.
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BV — Diante do quadro atual, como ficam as metas para neutralizar as emissões de carbono até 2050?
Carlos Nobre — Elas não são mais suficientes para a realidade atual. Ou seja, se continuarmos com a temperatura acima de 1,5 ºC, em 2025, 2026, as metas do Acordo de Paris, de reduzir 43% das emissões até 2030 e depois zerar as emissões líquidas até 2050, serão insuficientes. Do jeito que o aquecimento acelerou, poderemos passar de 2 ºC em 2050. Isso significa um gigantesco risco, haverá extremos ainda maiores acontecendo. Poderemos passar do que chamamos de pontos de não retorno. Há mais de 20 pontos de não retorno no planeta. Por exemplo, se tivermos 2,5 ºC a mais em 2050, é quase certo que passaremos do ponto de não retorno da Floresta Amazônica, perdendo mais que 50% dela, o que emitiria mais de 300 bilhões de toneladas de gás carbono na atmosfera. O solo da Sibéria, chamado de permafrost, no norte do Canadá e no Alasca, congelado há dezenas de milhões de anos, já começou a descongelar. Se alcançarmos mais de 2 ºC, como 2,5 ºC, vamos descongelar a maior parte desse solo e jogar no ar mais de 200 bilhões de toneladas de gás carbono e também muito metano armazenado. Só com esses dois pontos de não retorno, jogaríamos 500, 600 bilhões de toneladas e não ficaríamos mais de jeito algum abaixo de 1,5 ºC. Outro dado importante é que, caso os oceanos aqueçam 2 ºC, extinguiremos praticamente todas as espécies de recifes de corais. Já está havendo o branqueamento dos recifes de corais em Abrolhos, na costa da Bahia; o mesmo ocorre ao redor da Austrália, que tem 2.300 quilômetros de recifes de corais, os maiores do mundo, que estão ficando branqueados. Esse é o começo da extinção de 18% a 25% de todas as espécies oceânicas.
BV — Quais os motivos dos incêndios vistos neste ano em nosso país?
Carlos Nobre — Quando o clima fica bem mais seco e quente, evapora muito mais água do solo, o solo e a vegetação também se tornam secos e inflamáveis. O contrário, a vegetação úmida, é pouco inflamável. E é o que está acontecendo com a vegetação em todo o planeta, por causa das ondas de calor e de seca. No ano passado ocorreu o maior incêndio da história do Canadá, foram mais de 2 meses pegando fogo ali. Só apagou realmente quando veio a estação chuvosa, os brigadistas, bombeiros ficaram meses combatendo as chamas no local. No Brasil, a mesma coisa, seca na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal. Aqui ficou tão seco que não havia nuvens para gerar descargas elétricas; lá no Canadá tudo foi por descarga elétrica, os raios que geraram incêndios. Na Amazônia e no Pantanal, mais de 97% dos incêndios foram provocados pelos seres humanos. No Estado de São Paulo, em agosto, foram 100%; tivemos aquele pico de incêndios no dia 23 de agosto, com um recorde de 1.500 focos, e todos se deram em 2, 3 horas, na parte final da tarde. No Brasil, infelizmente, a grande maioria dos incêndios foi criminosa.
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*Carlos Nobre é climatologista, pesquisador sênior pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP) e copresidente do Painel Científico para a Amazônia; em maio de 2022, foi eleito membro estrangeiro da Royal Society, no Reino Unido.
*Um dos sintomas do aquecimento global que está sendo visto na Groenlândia é o registro de várias horas de chuva, algo que normalmente não ocorreria por ser uma região muito fria para tal fenômeno.