Violência gera violência: contra o bullying, pela cultura de paz

A pessoa que comete o bullying o faz na sempre frustrada expectativa de “compensar” seus sofrimentos, como um padrão de vida difícil de se levar.

Wellington Carvalho

27/03/2023 às 08h28 - segunda-feira | Atualizado em 27/03/2023 às 10h10

Shutterstock

"Magricela", "balofão", "quatro olhos", "testa de bater bife". Parecem só apelidos — e vez ou outra ouvimos e até falamos algo assim — mas podem ser classificados como bullying. Caracterizado pela violência física ou psicológica ocorrida repetidas vezes, é uma triste realidade que acomete crianças e jovens, principalmente nas escolas. Mas que podem acontecer em qualquer ambiente e idade. E as consequências podem chegar a extremos. Em entrevista ao programa Sociedade Solidária*, da Boa Vontade TV, a assistente social Maria Raimunda, do Tribunal de Justiça de São Paulo, exemplificou um caso marcante com o qual teve de lidar:

“Uma certa adolescente sofria um bullying de classe social em sala de aula. A escola onde estudava era de classe média alta e ela era filha do pipoqueiro que trabalhava na porta da escola há 30 anos. Conseguiu uma bolsa para estudar no colégio pela proximidade que o pai tinha com os funcionários. Entretanto, ela não acompanhava a classe em relação a passeios, não conseguia manter o mesmo tipo de consumo, como roupas de melhor qualidade e viagens para o exterior como os outros colegas. Num determinado dia, essa jovem é zombada depois de várias vezes e acaba atacando a agressora com um canivete”.

Numa primeira análise, você, querido leitor, poderia considerar que a jovem que sofria bullying apenas se defendia, de forma errada, o que não justifica a violência, mas pode soar apenas como uma consequência dos abusos que sofreu. Mas a filha do pipoqueiro se insere como mais uma peça numa cadeia de agressões. “O ofensor já é o ofendido”, explica a assistente social Maria Raimunda. Isso porque, muitas vezes, a pessoa que comete o bullying o faz na sempre frustrada expectativa de “compensar” seus sofrimentos, como um padrão de vida difícil de se levar. 

Educadora Suely Buriasco.

O bullying evidencia que o agressor está com seu emocional abalado, fora de equilíbrio. Um fator que pode levar à prática da agressão desse tipo é a violência dentro de casa. Cerca de 70% das crianças e adolescentes envolvidos com bullying nas escolas sofrem algum tipo de castigo corporal em casa, segundo pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), localizada em São Paulo. À Super Rede Boa Vontade de Comunicação (Rádio, TV, Internet e Publicações), a educadora e mediadora de conflitos Suely Buriasco lembra: “Se os pais tratam os filhos de forma violenta, em atitudes ou palavras, estarão influenciando os filhos a agirem da mesma forma. (...) E em muitas vezes eles agem assim sem se sentir culpados, como se fosse algo natural. São indícios preocupantes que devem alarmar pais e educadores”.

Se as atitudes de quem pratica o bullying são incentivadas por influências negativas, o comportamento de quem o sofre é só consequência da violência — física, emocional ou verbal — que enfrenta. “Então, uma criança que falava bastante, de repente, se torna mais quieta, ficando antissocial; se não falava de forma agressiva, de repente se torna um adolescente violento”, exemplifica Suely. Para a prevenção, identificação de casos e combate ao bullying, a educadora destaca que os pais devem estar próximos dessas crianças e adolescentes, por meio do diálogo. “Para que consigamos perceber estes sinais que nos são dados. Acompanhar a vida escolar do filho é estar próximo dele. Os pais devem ir à escola, conhecer os professores, os orientadores, conversar sobre o comportamento de seus filhos."

empoweredteensandparents.com

DEFESA COERENTE

Não podemos esquecer que sofrer qualquer tipo de violência provoca em nós os piores sentimentos e o extinto de defesa é inevitável. Contudo, se sabemos que o bullying é incentivado por condutas violentas em casa, revidá-lo com a mesma moeda é favorecer que sua prática continue, alimentando um ciclo que têm que parar. O “basta” deve ser dado não com ofensas, socos, chutes, mas com amor. Parece utópico, mas é algo parecido com o Princípio de Ação e Reação, a segunda Lei de Newton, que aprendemos na escola. A violência, o ódio, quando espalhados por aí, vão nos devolver mais sentimentos ruins e agressividade. Quando conseguirmos quebrar essa corrente com atitudes fraternas, começamos um novo ciclo, dessa vez, positivo.

Há décadas, o educador Paiva Netto elucida que “o ódio é arma voltada contra o peito de quem odeia”, linha de raciocínio que deve ser repassada às crianças e jovens. No subtítulo “Direito de Defesa”, constante na página 8 da revista Boa Vontade Desenvolvimento Sustentável 2013, ele apresenta o seguinte argumento:

Arquivo BV
Confúcio (551 a.C. - 479 a.C.).

“(...) Devemos sempre lutar pela Paz. Entretanto, não ser incapazes de nos defender, naturalmente que sem o espírito feroz e destrutivo da vingança, porque ela moralmente desnorteia as pessoas. Jamais sejamos, portanto, cúmplices do que está errado, mas incorporemos à Alma essa elevada aliança civilizadora como o sentimento de benevolência que nasce do coração (...). A fim de tornar mais claro o raciocínio, recorro a esta advertência de Confúcio, com a qual desde cedo me alinhei. Ele afirma, do alto de sua sabedoria milenar:

— Paga-se a Bondade com a Bondade, mas o mal com a Justiça.

O famoso pensador chinês evidentemente não se referia à revanche, que é antípoda ao sentido de Justiça verdadeira”.

Por isso, contra qualquer tipo de ofensa, a melhor defesa é “dar a outra face”, como ensinou Jesus, o Educador Celeste, em Seu Evangelho, segundo Lucas, 6:29: "Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra" (...). Calma! Não estamos dizendo que deve-se aguentar quantas bofetadas quiserem oferecer. Em seu artigo O que é dar a outra face, o jornalista, radialista e escritor Paiva Netto esclarece que essa justa ação significa “levar os que nos tentam ofender à percepção de que cometem um ultraje a si mesmos, pois o ódio é arma voltada contra o peito de quem odeia. ‘Dar a outra face’ é um ato de coragem, um exercício de paciência; não é ação para omissos e acomodados”.

VOCÊ SOFRE BULLYING?

Falar ao colega da escola que a prática violenta dele é um erro a ser corrigido, compreendendo que seu comportamento pode ser o resultado de problemas pessoais e igualmente ajudando-o a vencer essa falha, é uma saída sublime e louvável para o bullying. Conversar com professores e pessoas mais experientes na busca de uma solução também é algo super válido, já que aquela pessoa também pode precisar de ajuda.

É até mesmo uma oportunidade para tornar o “inimigo” um amigo novo. Nunca devemos negar ajuda àquelas pessoas que cruzam nosso caminho, mesmo que este encontro não seja agradável. Há sempre a possibilidade de haver alguma ligação espiritual entre nós, estabelecida na Pátria da Verdade antes que reencarnássemos. Ah, e contra qualquer outro problema na escola, a busca de auxílio dos pais e professores para a solução do problema nunca deve ser descartada. 

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* O programa Sociedade Solidária, da Boa Vontade TV (canal 212 da Oi TV e 196 da NET e da Claro TV), vai ao ar toda terça e quinta-feira, às 3h e às 22 horas; e aos sábados e domingos, às 23h30. Para outras informações, ligue: 0300 10 07 940 (custo de uma ligação local + impostos).