Para crentes e céticos
A diretora norte-americana Ricki Stern fala sobre a série Vida Após a Morte
Leila Marco e Josué Bertolin
22/04/2021 às 16h11 - quinta-feira | Atualizado em 22/04/2021 às 16h38
Acostumada a trabalhar com temas profundos em seus documentários, que levam por caminhos inesperados, a diretora de cinema norte-americana Ricki Stern sentiu-se motivada a produzir a série Vida Após a Morte (Surviving Death, no original em inglês), lançada pela Netflix (2021), a qual divide a assinatura com Jesse Sweet. O trabalho trata, de forma franca e séria, de assuntos relacionados ao prosseguimento da existência para além do fenômeno da morte, com um conteúdo voltado tanto para crentes quanto para céticos.
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Inspirada no livro homônimo da jornalista Leslie Kean, a primeira temporada aborda, em seis episódios, o que acontece com pacientes que foram considerados mortos por um curto período e que, ao retornarem à vida, fazem relatos surpreendentes, como a visão de túneis que terminam em luzes, encontros com seres angelicais ou entes queridos falecidos, memórias de uma consciência deslocada do corpo físico e uma indescritível sensação de Paz — são as chamadas experiências de quase-morte (EQMs). Além dessa vertente, a equipe empenhou-se em entender como se dá a comunicação dos Espíritos por meio dos chamados médiuns e trouxe ainda à discussão o fenômeno da reencarnação, ao exibir relatos de crianças que se lembram de existências passadas.
Em entrevista exclusiva à Super Rede Boa Vontade de Comunicação (rádio, TV, internet e publicações), Stern relata sua jornada nesse trabalho e revela que espera ter a oportunidade de rodar uma segunda temporada, pois, segundo ela, há muitos pesquisadores sérios que investigam o prosseguimento da consciência espiritual após o fenômeno da morte a serem ouvidos. No bate-papo, a diretora manifestou ainda a vontade de filmar em nosso país e agradeceu à Legião da Boa Vontade (LBV) o espaço para debater assunto tão relevante, ficando admirada com o Templo da Boa Vontade e o Parlamento Mundial da Fraternidade Ecumênica, o ParlaMundi da LBV, em Brasília/DF, que sedia o pioneiro Fórum Mundial Espírito e Ciência. “Muito obrigada! Estou muito feliz por terem entrado em contato [comigo], e saibam que, se eu for ao Brasil, vou procurar vocês [da LBV]”.
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BOA VONTADE — Por que decidiu que seria importante fazer para a TV a série Vida Após a Morte?
Ricki Stern — Na verdade, realmente não era algo que me interessava tanto no passado, mas uma amiga minha, Leslie Kean, escreveu um livro chamado Surviving Death [Sobrevivendo à Morte], que eu li e achei que era uma perspectiva de fato interessante. A Leslie apresentou pesquisas, a Ciência por trás dessa possibilidade de continuação da vida ou da consciência, abordou o assunto de forma ímpar, e isso chamou muito a atenção da Netflix. Acho que essa é uma das primeiras [séries] sobre esse tema feita com médicos, cientistas e pesquisadores conceituados. Acredito que o que me fez criar a série foi ter conversado com tantas pessoas que tiveram experiências que as tocaram profundamente e que mudaram suas vidas de diversas maneiras.
BV — É a primeira vez que tem contato com experiências de quase-morte, mediunidade e reencarnação?
Ricki Stern — Praticamente, é a primeira vez. (...) Passar um ano filmando diferentes histórias sobre reencarnação, experiências de quase-morte, Espíritos e médiuns foi, definitivamente, uma montanha-russa para minhas próprias crenças e entendimento... A série não é sobre dar respostas, mas, sim, fazer perguntas.
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BV — A série deu voz a pesquisadores, médicos, famílias, médiuns... Como foi esse processo, o que a motivou a fazer o trabalho dessa forma?
Ricki Stern — Para mim, era muito importante encontrar depoimentos que fossem reais, autênticos. Quando lidamos com assuntos chamados de paranormais, às vezes, encontramos atos performáticos, artistas, indivíduos fraudulentos, que querem tirar proveito do seu luto, da sua dor. Ao embarcar [nesse trabalho] com o meu coprodutor-executivo, Jesse Sweet, nós entrevistamos as pessoas antes de gravarmos para ver se eram honestas, se suas experiências eram reais para elas. Foi um processo muito interessante e conhecemos pessoas que acabamos não filmando, porque ou suas histórias não se encaixaram no final ou sentimos que talvez as experiências não fossem tão impactantes como as de outras.
BV — Qual foi a emoção ao se conectar com esses relatos?
Ricki Stern — Como documentarista, pelo tipo de filme que faço, é importante que eu me conecte com as pessoas sobre as quais conto histórias. Especialmente porque estamos lidando com essa capacidade de sobrevivência, com a morte. Então, as histórias são sempre comoventes, tocam o público, porque são universais. É por isso que são traduzidas no Brasil e em países ao redor do mundo. Todos nós lidamos com perdas, e acho que vocês já se perguntaram: “Então é isso? É essa vida que estamos vivendo agora ou há algo além?” As pessoas têm essa vontade universal de fazer perguntas e tentar se conectar, ver se há algo fora deste mundo materialista.
BV — Conte-nos também sobre os efeitos visuais para conseguir traduzir essas experiências do Mundo Espiritual.
Ricki Stern — É sempre um desafio contar uma história que se passou na mente de outra pessoa nesse mundo paranormal. Nós acreditávamos que era importante apresentar à Netflix como a série ia se dar antes que topassem, porque eles não queriam que ela se parecesse com essas séries de terror, nas quais o sobrenatural é retratado de uma forma que os indivíduos não conseguem se conectar. Trabalhei com diretores de fotografia maravilhosos, o Nelson Hume e o Jonathan Nastasi. E, para mim, era uma questão de luz e escuridão. Por isso, em cada cena, víamos como usar a luz, se seria natural, qual o clima no ambiente... Em um caso, o Nelson quebrou um espelho, colocou-o na água e refletiu a luz nele, criando um tipo de iluminação cintilante na parede. São essas pequenas técnicas interessantes. Para mim, era importante registrar o máximo possível na câmera, mas contamos com uma ótima equipe gráfica e procuramos o equilíbrio para parecer orgânico. Então, tirávamos uma foto e animávamos levemente essa imagem para trazê-la à vida, mas não tanto a ponto de tirar a veracidade dela. Tratava-se, sim, de criar a sensação de que as coisas eram familiares, como nas experiências de quase-morte sobre as quais as pessoas falam de maneira incrível, clara e vívida. Um homem disse que parecia que ele era [o oceanógrafo] Jacques Cousteau [1910-1997], que estava debaixo d’água e havia peixes ao seu redor, e essas experiências são tão claras e vívidas que são fáceis de se traduzir para um meio visual. Todas essas são referências que temos em nossas vidas, e, portanto, é a isso que as pessoas se conectavam na vida após a morte.
BV — E o áudio, a trilha sonora? Como foi usar esse recurso para dar vida às ideias?
Ricki Stern — O áudio é provavelmente um dos recursos mais subestimados. Trabalhei com uma equipe maravilhosa de designers de som. Nós preenchemos uma lista bem detalhada do que precisávamos antes de enviar [o material] a eles. Por exemplo, queremos um som de eco aqui, como se estivesse descendo por um túnel ou subindo muito rápido em um balão de ar ou algo semelhante. E eles criaram esses efeitos sonoros, e isso é muito importante. Acredito que, quando você não ouve nada, como se estivesse com fones de ouvido quando sai para correr, por exemplo, é incrivelmente distorcida a forma como percebe o mundo ao seu redor, então, cada camada da narrativa precisa ser pensada. E o que as pessoas ouvem e como fazem isso as desorienta ou cria uma emoção para elas, tudo isso faz parte. A música foi feita pelo meu primo Paul Brill, com quem sempre trabalho... E, de novo, queria que ela tivesse isso, uso a palavra “surpresa”, uma espécie de admiração, a sensação de que há momentos quase que épicos, porque acho que essa experiência é um tanto épica, mas também há essa sensação de beleza. E a admiração pela natureza eu não queria que soasse muito sobrenatural, não queria que parecesse também muito meigo ou sentimental. Eu só desejava que houvesse um ganho na sonoplastia. E acho que a música alcança isso com sucesso.
BV — Quais as histórias que mais a impactaram?
Ricki Stern — Acho que as [do episódio sobre] reencarnação, porque há tantas coisas que essas crianças sabem sobre pessoas que elas realmente não poderiam ter conhecimento. Não havia nada na internet na época em que tiveram essas experiências, algo que pudesse ter sido plantada na cabeça delas. E senti no fundo do meu coração que era verdade para elas. (...) Um garotinho contou toda a trajetória [de uma pessoa] para sua mãe, e ela ficou realmente desesperada; então foi na internet e encontrou o dr. Jim Tucker, que estuda reencarnação. Essas histórias fazem você coçar a cabeça e se perguntar: “Como pode?” Outras que me emocionaram também foram as do Retiro do Luto, onde havia uma família, o Steven e a Courtney, cujo filho havia morrido em um acampamento. Ele estava acampando com escoteiros quando uma árvore caiu e o matou. (...) Toda a equipe se apaixonou por eles, porque estavam realmente buscando algum modo de dar sentido ao que aconteceu com o filho deles. Você pode ser cético, mas a realidade é que, se isso os ajuda a lidar com a dor, a, de alguma forma, sentir que seu filho ainda está presente em suas vidas, não vejo nenhum problema. (...) Acho interessante trazer esses questionamentos. Ouvir uma série de respostas a essas perguntas dá ao público a oportunidade de tirar as próprias conclusões e, talvez, desperte em você alguma curiosidade de ir atrás e pesquisar sobre o assunto.
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BV — Houve uma preocupação de mostrar o dia a dia dos médiuns, quais são suas crenças, seus dons, que são pessoas autênticas?
Ricki Stern — Quando escolhemos os médiuns, eu realmente queria pessoas sinceras sobre o que fazem, porque é uma área em que existe quem se aproveite. Estava interessada na escola na Holanda e em saber quem eram [aqueles indivíduos], porque vieram de todos os lugares. Havia um químico alemão, um agente funerário holandês, um terapeuta norte-americano... Eram pessoas de toda a parte. Algumas sentem que nasceram com o dom da mediunidade, de se conectar com o Espírito; outras estavam apenas esperando aprender isso. (...) É como ocorre com a meditação, tem de tranquilizar a mente [para perceber] os sinais, as mensagens. Eles estão lá, a consciência também, mas você esteve tão ocupado em sua vida diária filtrando as coisas, os sons, as luzes e as conversas, que acaba não sintonizando com aquilo. O que tem sido interessante durante a pandemia da Covid-19 — até saiu um artigo no The New York Times sobre como as pessoas estão relatando ver fantasmas, contando outras histórias, porque elas estão em casa, não estão ao telefone com os amigos, dando festas, recebendo visitas em suas casas, viajando... — é essa espécie de silêncio que o isolamento criou; os indivíduos estão reportando uma maior conexão com outras coisas.
BV — Depois do sucesso da série em todo o mundo, você acha que esse assunto será mais discutido?
Ricki Stern — Acredito que existirão mais trabalhos sobre o tema, porque a série Vida Após a Morte tem feito sucesso, e recebo mensagens do mundo inteiro, de pessoas me agradecendo. Estou surpresa que o público esteja tão grato. Acho que as pessoas querem falar sobre isso e compartilhar suas histórias; então, devemos ter espaço que permita que isso seja feito [naturalmente], como em uma conversa aberta.
BV — Sentiu-se de alguma maneira transformada pelo que ouviu e aprendeu com a produção desse trabalho?
Ricki Stern — Provavelmente tive a mesma experiência que quero que o público tenha, que é estar disposto a fazer perguntas, a se conectar com pessoas que compartilham suas experiências e discutir isso com os amigos, parceiros ou com um ente querido. Esse é um tema fascinante; e, se você for transformado, se passar a ter um pouco mais de esperança, como ouço das pessoas: “Eu me sinto um pouco mais esperançoso”, isso é ótimo! Deixei as pessoas contarem suas histórias e, particularmente, me sinto um pouco esperançosa ao ouvir essas narrativas, mas essa série é para testemunhar e interpretar como quiser.