Um repórter no tempo de Jesus

O jornalista Rodrigo Alvarez escreve sobre a vida e o legado do Cristo

Leila Marco e Josué Bertolin

25/03/2021 às 10h32 - quinta-feira | Atualizado em 28/03/2022 às 09h40

Não é a primeira vez, nem será a última, que um jornalista troca a carreira pelos livros. Trabalhos entrelaçados, ambos movidos pelo interesse de contar histórias, o jornalismo sempre foi um manancial para a descoberta de novos autores. Trajetória similar está a do jornalista Rodrigo Alvarez, que, após trabalhar 23 anos na Rede Globo de Televisão, deixou a emissora para se dedicar à profissão de escritor.

Recentemente, ele lançou o segundo volume da série “Jesus — O homem mais amado da História”, intitulado Cristo (Sextante), com o qual chegou à décima obra literária. E, mais uma vez, as experiências como correspondente internacional, período no qual esteve em mais de 50 países e residiu em cinco outros, surgem fortemente, em especial as de sua passagem por Jerusalém, que ele próprio diz ter o transformado. Segundo Rodrigo, lá, o seu interesse por entender a origem da humanidade aprofundou-se, inspirando boa parte de seus títulos de temática religiosa.

Em entrevista à Super Rede Boa Vontade de Comunicação (Rádio, TV, internet e publicações), esse escritor-repórter contou um pouco da trajetória profissional dele e das percepções que adquiriu ao mergulhar na pesquisa histórica e arqueológica sobre a vida e o legado do Cristo.

Vale ressaltar ainda que Rodrigo Alvarez foi um dos palestrantes última edição do Fórum Mundial Espírito e Ciência (FMEC), da LBV.

Divulgação

Jornalista Rodrigo Alvarez

BOA VONTADE — Primeiro, poderia falar a respeito de sua trajetória pelo jornalismo, pela escrita?

Rodrigo Alvarez — Eu acredito que cada ser humano tem uma grande história, aprendi isso logo cedo [na carreira]. Quando você se dedica a escutar uma pessoa, aquela história é fascinante. Procurei ser um repórter que ouvia [o que o outro tinha a falar] e fui transmitindo isso para as pessoas. (...) Acho que é uma rede que começa no interesse de um pelo outro. A minha carreira toda se construiu nisso; (...) e daí para os livros foi um caminho praticamente natural, porque já queria escrever livros antes de entrar para a profissão de jornalista, antes de ser repórter. A experiência que tive no jornalismo abriu esse caminho para o trabalho literário, que faço da mesma maneira como eu realizava as reportagens: ouvindo, interessando-me pelo semelhante.

BV — Você já é autor de dez títulos, sendo sete deles com temas religiosos. A sua passagem por Jerusalém o influenciou nessas escolhas?

Rodrigo Alvarez — A passagem por Jerusalém enriqueceu essa trajetória. Comecei a me aprofundar [no assunto] em 2012, com a pesquisa que fiz sobre [Nossa Senhora de] Aparecida, que tinha mais do que motivo religioso, eu queria contar sobre essa imagem que é um símbolo cultural brasileiro, tinha a religião forte, mas também o interesse por falar do Brasil. Agora, o destino também ajudou. Eu trabalhei em Jerusalém por quatro anos (...) e lá, estando nos lugares em que a tradição associa com a trajetória de Jesus, de Maria, dos Apóstolos, de toda a tradição cristã e dos demais elementos, senti maior interesse [de estudar o tema], especialmente a história do Cristo.

BV — Como foi a experiência de percorrer os mesmos cenários, os mesmos caminhos de Jesus?

 Rodrigo Alvarez — A minha história toda foi muito firmada no conhecimento e na tradição cristã. (...) E, de repente, eu me ver no cenário dos acontecimentos e perceber quão recentes eles são, que a história ainda é viva nesses lugares, foi como se tivesse voltado no tempo, em que pude várias vezes imaginar e quase que, realmente, ver Jesus ali pregando, os Apóstolos O acompanhando e tudo o que aconteceu naqueles três anos de pregação — talvez tenham sido mais, pois a história não é precisa em diversos aspectos. Foi marcante, modificou a minha maneira de compreender o Cristianismo, como os fatos aconteceram, da forma que se deram, porque chegamos ao século 21 deste jeito, porque ainda mais da metade do mundo segue os ensinamentos Dele... A gente sabe que muito do que chegou até nós foi também por causa dos Atos [dos Apóstolos], especialmente do Apóstolo Paulo, e isso eu destaco no livro Cristo. (...) A gente vê a força do pregador Jesus, que viu multiplicarem os Seus seguidores mesmo depois de Sua crucificação. No capítulo da ressurreição, é interessante ver como o Cristianismo chegou até nós, de onde ele veio. Isso ajuda a entender e a vivenciar melhor essa história, que foi bastante recontada. (...) Embora esses elementos não modifiquem a Fé, são importantes e têm sido vistos pelos meus leitores como relevantes.

BV — Ao fazer a imersão nos locais em que o Cristo esteve, você se imagina participando daqueles eventos históricos?

Rodrigo Alvarez — Percebi que a única maneira de contar a história de Jesus era realmente estar no tempo Dele. E como eu me senti de volta àquela época, por tudo o que vivenciei em Jerusalém e na Terra Santa, graças a todos os documentos que li e pesquisei, a tudo que vivi, [aos lugares] que, com as minhas próprias pernas, pisei, me senti muito confortável para escrever o livro Jesus no tempo presente. Era um repórter narrando o fato, com a vantagem de conhecer o futuro; então, consegue “antecipar” fatos, o que ajuda a entender o que está acontecendo ali. (...) Repórter ou escritor, hoje me vejo até mais como escritor, com uma pequena nuance do que é um e do que é outro.

BV — Em 2019, escreveu o primeiro volume de Jesus — O homem mais amado da História e, no ano passado, lançou o segundo volume intitulado Cristo. O que o leitor poderá encontrar nessa série?

 Rodrigo Alvarez — Escrevi esses trabalhos pensando em todos os leitores que descobri que tenho. Muitos dos que leem [meus livros] são religiosos, católicos, evangélicos, têm ateus que os leem também. Não procuro polêmicas, não tento provar nenhuma tese sensacionalista. (...) Eu trago questionamentos, informações históricas que são relevantes e diálogos que estão em documentos encontrados em escavações arqueológicas que a gente nunca tinha ouvido e que tive o privilégio de conhecer, momentos muito bonitos de Jesus com os Apóstolos, como, por exemplo, imaginá-Lo diante de uma fogueira conversando com os Apóstolos sobre questões fundamentais da vida, conforme aparece em alguns desses documentos. Trata-se de explicação bastante cuidadosa a respeito do momento em que Jesus viveu, que época era aquela, o que os romanos estavam fazendo ali, porque Ele foi crucificado, coisas que parecem até óbvias, mas que, se você não conhece, não estuda, não entende. Jerusalém e Israel estavam ocupados pelos romanos, uma força opressora. A expectativa por um Messias, naquele momento, era muito mais associada à salvação de Israel do que à salvação da humanidade, que foi uma compreensão posterior. Isso eu explico ao longo dos livros. Em Jesus, o primeiro [título], eu conto a vida Dele até a crucificação, e, [na obra] Cristo, começo com Ele na cruz e vou até o ano 70, que é quando os romanos perdem a paciên­cia com os judeus e destroem Jerusalém, que é um período decisivo. (...)

BV — O que o chama atenção na trajetória do Mestre?

 Rodrigo Alvarez — São muitos [momentos marcantes], mas há algo que é indiscutível, que é forte: o fato de Jesus ter trazido uma mensagem de Amor puro, que não espera nada em troca, em um tempo em que isso não era bem compreendido. A humanidade, especialmente na região do Oriente Médio, vivia uma fase bastante violenta. Àquela época, o apedrejamento acontecia frequentemente, crucificação era algo diário. Há relatos de 500 cruzes ao mesmo tempo sobre os muros de Jerusalém, ou seja, matar, e matar por pouca coisa, era comum. A intolerância era grande. Aí chega Jesus com essa mensagem de que eu não devo revidar, que devo compreender o outro... Não há nada mais revolucionário, mais transformador. Tanto quem consegue sentir esse Amor quanto quem o recebe são transformados por ele. Não foi por acaso que essa pregação modificou a história do mundo e que é tão poderosa a ponto de a gente estar falando dela aqui.

BV — A participação das mulheres no Cristianismo nascente é algo a ser destacado, na sua visão?

Rodrigo Alvarez — Se, ainda hoje, a gente vive em um mundo machista, imagine há dois mil anos. O Cristo tem outra grandeza também que foi acolher o diferente. (...) Mulheres naquele tempo não podiam nem dar testemunho em um julgamento. Tinham valor apenas para cuidar da casa e multiplicar a espécie. Não havia respeito na sociedade, que hoje sabemos que se deve ter, mas Jesus não agia como os indivíduos do tempo Dele, Ele incluiu as mulheres, as aceitou no grupo e as tratou com dignidade, respeito. Existem textos que mostram diálogos entre Jesus e Madalena, por exemplo, que são profundos, não são conversas sobre o que é que nós vamos fazer hoje para esse grupo todo comer. Não é isso. É Madalena perguntando a Jesus de onde vem as lágrimas: “Mestre, de onde vem nossa risada?”, “O que vai acontecer quando a gente não estiver mais nessa vestimenta [nesse corpo]?” É tudo bastante filosófico-existencial. Só que o papel da mulher foi sendo apagado ao longo do tempo. Sempre com base em documentos históricos, com base arqueológica, você consegue enxergar que, na comunidade de seguidores do Cristo, as mulheres tinham papel relevante, importantíssimo. No primeiro relato da Ressurreição de Jesus, temos as mulheres, é Maria Madalena [quem primeiro O vê]. Há de se resgatar esse papel (...).

BV — O episódio da ressurreição é um dos temas principais no Cristianismo, a Páscoa, para os cristãos, ocorre em torno dele. Como analisa esse momento?

Rodrigo Alvarez — A análise da ressurreição é complexa e ampla. É difícil fazê-la em poucas palavras tamanha a importância dela.  Agora, o que o livro mostra, e as pessoas que o leram tiveram bastante interesse e têm dado valor, é que, primeiro, sim, a ressurreição é fundamental para a Fé Cristã. Logo, sem ela, a Fé é vazia. Quanto à ressurreição de carne e osso, a ressurreição do Espírito, ela é uma questão que está dentro dos Evangelhos... Quando Jesus se encontra com os Apóstolos, onde se acredita ser o cenáculo, a casa na qual se reuniram na última ceia, o Evangelho de Lucas nos diz que Jesus atravessou a parede. E a gente não imagina que Ele fez isso em carne e osso, não é possível. É preciso entender que, ali, o Evangelho está nos dizendo que Jesus, em Espírito, atravessou a parede. [Em outro momento, o Cristo] encontra-se com dois discípulos na estrada para Emaús, mas eles não O reconhecem, sendo Ele a razão de terem ido a Jerusalém e terem voltado por causa da crucificação. O que aconteceu [para não O terem reconhecido]? Jesus está encarnado em um outro corpo ou, o que eu acho até mais completo, modificou a Sua própria aparência por alguma razão. Isso não está dito. Então, somos levados a crer que Ele é um Espírito. Eu não estou afirmando, mas mostro no livro e acho isso importante (...).

BV — A LBV tem uma tradição no Ecume­nismo*, mesmo antes de se utilizar a terminologia diálogo inter-religioso. Como você vê a construção da Paz entre as religiões e entre as áreas de todo o conhecimento humano?

Rodrigo Alvarez — Estamos em um período muito difícil. A internet exaltou as pes­soas, deu voz a quem era silenciado e aos algoritmos todos que controlam um pouco hoje a nossa vida, que levam as pessoas, por razões puramente de algoritmos, a seguir visões mais extremas. Isso é uma tristeza muito grande. (...) Eu só acredito em aproximação, em diálogo, não acredito em confrontos. Acho também que é uma onda, que essa época de intolerância e de extremismo deve passar. A gente deve continuar promovendo vozes que falem de diá­logo, de aproximação entre os seres humanos. (...) Fico feliz [com a] Legião da Boa Vontade, com esse esforço ecumênico, inter-religioso. (...) Eu fico feliz quando posso estar com pessoas [ecumênicas], com o que a LBV representa, que é promover a aproximação.

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* Desde a década de 1940, a Legião da Boa Vontade (LBV) tem ampla atuação na defesa do Ecumenismo sem restrições, a partir da etimologia da palavra: do grego oikoumenikós, que significa “toda a terra habitada; de escopo ou aplicabilidade ade mundial; universal”. Paiva Netto escreve sobre “Os Quatro Pilares do Ecumenismo”, a saber Ecumenismo Irrestrito e Ecumenismo Total, que são expressões criadas por Alziro Zarur (1914-1979) e conceitua­das por Paiva Netto, que, por sua vez, conceitua sobre Ecumenismo dos Corações e Ecumenismo Divino. Leia mais em https://www.paivanetto.com/ecumenismo/os-quatro-pilares-do-ecumenismo.