Pandemia, gestação e vacinas

Especialista destaca os cuidados que as mulheres devem ter durante e após a gravidez nestes tempos de Covid-19

Mariane de Oliveira Luz

16/08/2021 às 16h43 - segunda-feira | Atualizado em 18/08/2021 às 16h41

Este conteúdo consta na edição n° 262 da revista BOA VONTADE. Para conferir a publicação, que é gratuita, acesse www.revistaboavontade.com.br

Por Mariane de Oliveira Luz e Bianca Giulia

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Lizandra Moura é mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB), chefe da unidade materno-infantil do Hospital Universitário de Brasília e diretora científica da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Distrito Federal (SGOB).

Desde que a pandemia do novo coronavírus foi anunciada no Brasil, em meados de março de 2020, tem sido bastante divulgado que o uso de máscaras, a higienização das mãos com álcool em gel 70%, o distanciamento social e a vacinação em massa são medidas essenciais para evitar o contágio e a disseminação da Covid-19. Com o passar do tempo, a Ciência tem compreendido melhor esse vírus e encontrado maneiras de vivermos com maior qualidade, especialmente as pessoas que se enquadram nos grupos de risco, a exemplo das grávidas, que, por sinal, além das precauções típicas que uma gestação exige, têm se desdobrado para proteger o bebê no ventre e a si próprias.

Contudo, o que se sabe até agora dos cuidados que uma gestante precisa adotar se contrair a Covid-19? Será que o bebê no útero pode ter o seu desenvolvimento afetado por causa dessa enfermidade? Para responder a essas e a outras questões, nossa equipe conversou com a chefe da unidade materno-infantil do Hospital Universitário de Brasília, Lizandra Moura, mestre em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB) e diretora científica da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Distrito Federal (SGOB). Na entrevista a seguir, ela esclarece como a mulher pode garantir uma gestação segura, de modo que mãe e filho tenham a saúde preservada.

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Revista BOA VONTADE — Que providências a mulher deve tomar no período de gestação para prevenir o contágio da Covid-19?
Lizandra Moura
— As mesmas que a população em geral: usar máscaras adequadas, evitar aglomeração, festas e contato com pessoas doen­tes, lavar bastante as mãos, passar álcool em gel 70%. Em especial, para esse grupo de gestantes e puérperas, devemos pensar que, por ter maior risco de morbidades em geral, como pré-eclâmpsia, restrição de crescimento intrauterino e trabalho de parto prematuro, essas pacientes precisam continuar ou procurar o atendimento de pré-natal nos seus locais de referência. É importante que, mesmo neste período de pandemia, independentemente da quantidade de transmissão do vírus ou da taxa de infectividade da doença, elas não deixem de fazer o acompanhamento de pré-natal e de procurar o serviço de saúde quando tiver algum grau de intercorrência.

BV — Enquanto realiza o pré-natal, a gestante pode ir acompanhada nas consultas?
Lizandra Moura
— Pode, sim! A família é importante nesse processo. A gente tem orientado a levar um acompanhante, a evitar ir com mais de um, tanto nas consultas de pré-natal quanto no parto. Mesmo com a pandemia, temos autorizado a entrada de acompanhante nos hospitais gerais. No hospital universitário onde trabalho também tem sido liberada a entrada desse acompanhante, porque entendemos que é fundamental a presença de alguém para apoiar física e mentalmente essa gestante e que seja de sua livre escolha, independentemente do sexo. Durante o pré-natal, os exames são essenciais e o acompanhamento multiprofissional também. É fundamental que não se deixe de procurar assistência médica por causa da pandemia.

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BV — Se a mãe estiver com Covid-19, ela pode transmitir o vírus para o bebê via parto ou amamentação, por exemplo?
Lizandra Moura
— Vários estudos têm demonstrado que existe esse risco, mas é pequeno. O perigo de transmissão vertical, que é o de transmissão do vírus da mãe para o feto, mesmo em gestantes infectadas com Covid-19 durante a gravidez, é difícil, é raro, mas pode acontecer em alguns casos. Entretanto, o que se tem visto é que existe maior risco de contaminação dos recém-nascidos pelas mães que tiveram Covid-19 no momento do parto, porque a recomendação é que se mantenha o aleitamento materno, mesmo no caso das gestantes com Covid-19 na fase aguda, pela importância do aleitamento materno, do colostro, para essas crianças, de passar algum grau de [proteção pelo leite para] diminuir o risco de infecções. (...) Então, por conta desse contato direto das mães com os recém-nascidos, pode ocorrer a transmissão da Covid-19. Contudo, nós sabemos que os recém-nascidos realmente não são pacientes de risco. Aqueles que se contaminam pelo SARS-CoV-2 evoluem sem gravidade da doença em grande parte das vezes, o que tem gerado certa tranquilidade em relação a esse contato.

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BV — É verdade que o parto cesariano é a melhor indicação para gestantes com Covid-19?
Lizandra Moura
— Com relação ao parto, não existe nenhuma indicação de fazer cesariana. A recomendação de parto é a via de parto obstétrica. A gente não precisa acelerar o nascimento do bebê porque a paciente está com Covid-19. Os estudos dos partos prematuros mostraram que muitos deles ocorreram pela gravidade do estado da mãe. Então, às vezes, a genitora precisava de um suporte ventilatório, e, para melhorar essa respiração materna, a gente acabava indicando o parto prematuro. Hoje em dia, tem-se visto que isso não tem sido mais recomendado. Mesmo as pacientes que necessitam de suporte ventilatório podem aguardar com seus bebês no útero para diminuir a prematuridade dos casos; e não existe indicação de fazer cesariana em nenhum dos casos, mesmo nas ocorrências de [gestantes com] Covid-19 na fase aguda.

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BV — O novo coronavírus aumenta o risco de parto prematuro ou até de má formação fetal?
Lizandra Moura
— Com relação a comorbidades ou doenças que possam aparecer na gravidez, a prematuridade tem sido indicada como uma das alterações possíveis nas mães infectadas por SARS-CoV-2 na gestação, além de pré-eclâmpsia, que é a elevação da pressão no período da gravidez, e de restrição de crescimento intrauterino. Então, existem estudos relacionando uma diminuição do aumento do peso fetal durante a gravidez; já outros associando a presença de diabetes na gestação. Então, parto prematuro é, sim, uma das possibilidades. Não se sabe se é a própria doença que pode estimular contrações uterinas e parto prematuro ou se é pelo que falei anteriormente, da paciente não estar bem e acabar acelerando o parto dela. Agora, quanto à má formação fetal já temos vários estudos demonstrando que não existe esse risco aumentado. A gente lembra muito do Zika vírus, que tinha associação com microcefalia ou alterações cerebrais. A Covid-19 não tem levado a nenhum tipo de alteração ou de formações físicas ou cerebrais. Então, a gente tem tranquilizado as mães com relação à má formação, porque não tem essa associação em nenhuma referência mundial.

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BV — A quem a gestante deve recorrer caso sinta algum sintoma da Covid-19?
Lizandra Moura
— As informações em geral são repassadas pelo médico, pela equipe de saúde que tem prestado a assistência para a gestante no pré-natal. Em caso de ela apresentar sintomas moderados ou graves, principalmente a diminuição de saturação pulmonar, que a gente vê no oxímetro, se estiver com muita falta de ar, febre que não está melhorando por um perío­do mais prolongado, com dificuldade de fazer as coisas que fazia anteriormente — a exemplo de exercícios leves, como caminhar um pouco —, associados a outros sintomas gripais, à perda de paladar, de olfato e à coriza, ela deve procurar o sistema de saúde. E não deve demorar, porque é só assim que a gente vai conseguir avaliar o estado de saúde dela durante a fase da Covid-19.

BV — Em geral, as gestantes brasileiras têm sido bem tratadas?
Lizandra Moura
— Uma das coisas que chamam a atenção é que, dentro das divulgações do Ministério da Saúde referentes à gestação, ao puerpério e à Covid-19, neste ano tem ocorrido o aumento da mortalidade materna, das gestantes e das puérperas. No ano passado, tínhamos mais de 500 óbitos maternos. Infelizmente, o Brasil ainda é campeão de mortes maternas por Covid-19 no mundo, e, até o mês de abril deste ano, nós tínhamos mais de 400 mortes maternas. No mês de março, tivemos mais de 200, maior até do que no mês de junho do ano passado. Então, isso leva a um alerta de que as mulheres devem se precaver, esse grupo deve ser prioridade no cuidado do Ministério da Saúde e da família, de modo que seja diferenciado no tratamento, com relação, inclusive, à vacinação.

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BV — Gestantes e mulheres no pós-parto podem se vacinar?
Lizandra Moura
— Uma pergunta recorrente é se todas as vacinas existentes e liberadas no Brasil podem ser utilizadas para esse grupo. E a resposta é sim. Todas elas podem ser utilizadas, não só a CoronaVac, que é feita com o vírus inativado. (...) Então, a gente não precisaria se preocupar com alterações ou riscos do imunizante para a gravidez. Sempre lembro que, dentro da nossa balança, o risco do coronavírus para a gravidez tem sido muito maior. E, inclusive, o risco de trombose em pacientes graves chega a ser em alguns Estados de 1 para cada 5 pacientes, o que é muito maior do que qualquer problema associado à vacinação. Então, a gente tem que lembrar que a vacina, há muito, diminui mortes e doenças graves. Hoje já não se vê óbitos em grande parcela por rubéola, sarampo ou outros vírus que possuem vacinas há muito tempo. (...) A vacina mostrou-se segura em vários estudos, inclusive em outros países. O imunizante da Pfizer já foi utilizado em grande número de gestantes (...). E a CoronaVac tem a mesma tecnologia utilizada, por exemplo, na vacina da gripe, para a qual, lembrando, as gestantes também são prioridade na vacinação. Então, não tenhamos medo da vacina, em especial aqueles grupos com maior prioridade, os idosos, as pessoas com comorbidades, as gestantes e as puérperas.