Desperdício de alimentos: mundo joga fora mais de 1 bilhão de refeições por dia

As ações para evitar que toneladas e toneladas de comida acabem no lixo depende de cada um de nós

Karine Salles

02/04/2024 às 07h14 - terça-feira | Atualizado em 02/04/2024 às 10h56

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Enquanto 783 milhões de pessoas foram afetadas pela fome e um terço da humanidade enfrentou insegurança alimentar, domicílios de todos os continentes desperdiçaram mais de 1 bilhão de refeições por dia em 2022. As informações são do Relatório do Índice de Desperdício de Alimentos 2024, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

O documento alerta que o desperdício de alimentos continua a prejudicar a economia global e a fomentar a mudança climática, a perda da natureza e a poluição. 

Desperdício de alimentos é maior nos domicílios

O estudo apresenta a estimativa global mais precisa sobre o desperdício de alimentos no varejo e no nível do consumidor. Assim como traz orientações aos países sobre o aprimoramento da coleta de dados e sugere as melhores práticas para passar da mensuração à redução do desperdício alimentar. 

Em 2022, foram gerados 1,05 bilhão de toneladas de resíduos alimentares, que inclui partes não comestíveis, totalizando 132 quilos per capita e quase um quinto de todos os alimentos disponíveis para os consumidores. Do total de alimentos desperdiçados em 2022, 60% aconteceram no âmbito doméstico, com os serviços de alimentação responsáveis por 28% e o varejo por 12%.

Apelo aos países

A diretora-executiva do Pnuma, Inger Andersen, disse que o desperdício de alimentos é uma tragédia global. Ela ressalta que “milhões de pessoas passarão fome hoje, enquanto alimentos são desperdiçados em todo o mundo".

Ainda segundo Andersen, além de ser uma questão importante de desenvolvimento, os impactos desse desperdício desnecessário estão causando custos substanciais para o clima e a natureza. 

Ela disse que a boa notícia é que se os países priorizarem essa questão, poderão reverter significativamente a perda e o desperdício de alimentos, reduzir os impactos climáticos e as perdas econômicas e acelerar o progresso das metas globais.

Emissões de gases de efeito estufa

De acordo com levantamentos recentes, a perda e o desperdício de alimentos geraram de 8% a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa, quase 5 vezes mais do que o setor de aviação, e uma perda significativa de biodiversidade ao ocupar o equivalente a quase um terço das terras agrícolas do mundo. O custo da perda e do desperdício de alimentos na economia global é estimado em cerca de US$ 1 trilhão.

A expectativa é que os esforços para fortalecer a redução do desperdício de alimentos e a circularidade beneficiem especialmente as áreas urbanas. As áreas rurais geralmente têm menor desperdício, com maior direcionamento de restos de alimentos para animais de estimação, animais de criação e compostagem doméstica como explicações mais prováveis. 

Em 2022, apenas 21 países incluíram a perda e/ou redução do desperdício de alimentos em seus planos climáticos nacionais, NDCs. O processo de revisão das NDCs de 2025 oferece uma oportunidade fundamental para aumentar a ambição climática, integrando a perda e o desperdício de alimentos. 

Exemplos de redução

O relatório destaca igualmente a urgência de abordar o desperdício alimentar, tanto a nível individual como sistémico. Linhas de base robustas e medições regulares são necessárias para que os países mostrem mudanças ao longo do tempo. Graças à implementação de políticas e parcerias, países como Japão e Reino Unido mostram que a mudança em escala é possível, com reduções de 31% e 18%, respectivamente.

O Pnuma continua acompanhando o progresso em nível nacional para reduzir pela metade o desperdício de alimentos até 2030, com um foco crescente em soluções além da medição para a redução. Uma dessas soluções é a ação sistêmica por meio de parcerias públicoprivadas, PPPs, trazendo o setor público, o setor privado e o não governo para trabalhar juntos, identificar gargalos, desenvolver soluções e impulsionar o progresso. 

O financiamento adequado pode permitir que as PPP proporcionem reduções do desperdício alimentar da produção agrícola à mesa, reduzam as emissões de gases com efeito de estufa e o estresse hídrico, partilhando simultaneamente as melhores práticas e incentivando a inovação para uma mudança holística a longo prazo. 

As PPP sobre perda e desperdício de alimentos estão crescendo em todo o mundo, incluindo na Austrália, Indonésia, México, África do Sul e no Reino Unido, onde ajudaram a reduzir mais de um quarto do desperdício domiciliar de alimentos per capita em 2007-18.

E O QUE PODE SER FEITO?

As ações para evitar que toneladas e toneladas de comida acabem no lixo depende de cada um de nós. Afinal de contas, há perdas no campo, no transporte, no armazenamento e no processo culinário. Aqui no Brasil, a organização não governamental Banco de Alimentos tem como objetivo minimizar os efeitos da fome e combater o desperdício de alimentos, permitindo que um maior número de pessoas tenha acesso a alimentos básicos e de qualidade, e em quantidade suficiente, para uma alimentação saudável e equilibrada.

Para a fundadora da ONG, Luciana Quinaglia Quintão, "é um absurdo muito grande ter pessoas passando tanta fome, com tanta dificuldade para existir, quando jogamos fora milhões de quilos de alimentos todos os dias, invés de fazer com que ele chegue a quem precisa". Os alimentos distribuídos pela organização são excedentes do comércio, perfeitos para o consumo. Além disso, há ações de educação com as instituição beneficiadas. "Ensinamos como ter o aproveitamento integral dos alimentos: como usar os talos, as cascas e as sementes. Isso é importante para quem tem o que comer e para quem não tem", explicou.

"Os bancos de alimentos são parte da resposta, mas também temos que ter uma maior consciência nos momentos de comprar os alimentos, para não comprar o que não vamos precisar". Outra situação apontada pelo representante da FAO foi que "muitas pessoas botam muita comida no prato e só comem um pouquinho. O resto vai pro lixo". 

Em seu recente artigo Crime do desperdício, o presidente da Legião da Boa Vontade (LBV) José de Paiva Netto alerta: "Urge impedir o desperdício. É providência sensata, humanitária, em todas as áreas e das mais diferentes classes sociais. É um crime, por exemplo, deixar estragar alimentos, quando milhões de pessoas ainda passam fome".

DONAS DE CASA DÃO O EXEMPLO

As sobras de alimentos consumidos no dia a dia não precisam, necessariamente, ser jogadas no lixo. Elas podem ser reaproveitadas em receitas saborosas e saudáveis. Essa é uma atitude simples que ajuda a combater o desperdício. Para a nutricionista Lilian Gullo criar esse hábito, além de nutritivo, auxilia na qualidade de vida. “Preparar esses alimentos da melhor forma possível inclui aproveitar cascas, talos e sementes”. 

“Quando há sobra de arroz dá para fazer bolinho; o pão eu guardo de um dia para o outro, coloco na geladeira e no dia seguinte eu esquento e fica fresco; sobra de carne dá pra fazer muitas outras coisas, então, não há motivos para estragarmos os alimentos”, afirmou a dona de casa Lêda Almeida. Já a sra. Jussipara Trindade destacou que tem "o costume de fazer economia de alimentos porque sabemos que a população brasileira está passando dificuldades na mesa. A verdura que sobra, fazemos uma sopa. E dessa forma eu mostro aos meus filhos que lá fora a dificuldade é grande. A situação está cada vez mais difícil para milhares de pessoas, por isso temos que nos reeducar, para que amanhã não tenhamos dificuldades". 

ATENDIDOS PELA LBV APRENDEM O VALOR DO ALIMENTO DESDE CEDO

A alimentação saudável também é uma preocupação da Legião da Boa Vontade (LBV) em suas Escolas, Centros Comunitários e Lares para Idosos, no atendimento às famílias em situação de risco social. Durante o período em que estão na Instituição, os atendidos recebem refeições que contam com um cardápio balanceado, de acordo com a faixa etária de cada um e recebendo o apoio de nutricionista. 

Outra ação desenvolvida, sobretudo com as crianças, é a conscientização para que não haja desperdício de alimentos. "No momento da refeição, as educadoras fazem intervenções para que elas percebam o quanto aquele alimento é fundamental, não apenas para o seu desenvolvimento, mas que aquele alimento, que poderia ir para o lixo, poderia também alimentar uma pessoa que não tem", ponderou a pedagoga Aline Trevisan, do Conjunto Educacional Boa Vontade. A conscientização dos pequenos é um passo importante para que os adultos do amanhã saibam como cuidar dos recursos e transmitam essa consciência às próximas gerações. 

Juntos contra o desperdício e as perdas de alimentos

 

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Com informações da UNIC-Rio e das Nações Unidas