"Nunca me passou pela cabeça abortar", afirma mãe de duas adolescentes com microcefalia
Em emocionante relato ao Portal Boa Vontade, Viviane contou como criou as filhas ao longo desses anos e passa uma mensagem de força e coragem às famílias que estão descobrindo agora a microcefalia em seus bebês.
Karine Salles
16/02/2016 às 16h41 - terça-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h05
Em sua 24ª semana de gestação, a funcionária pública manauara Viviane Lima, ao fazer um ultrassom morfológico — exame de rotina que avalia o desenvolvimento do bebê com bastante detalhe —, descobriu que sua filha Ana Victória teria microcefalia, doença que já tem mais de cinco mil casos suspeitos notificados no Brasil, sendo mais de 80% deles na região Nordeste.
Mas imagine receber essa notícia aos 18 anos de idade, nos anos 2000, uma época em que as causas da microcefalia eram pouco conhecidas e não havia tantos recursos tecnológicos como hoje em dia. "Acredito que, no momento em que eu recebi o diagnóstico, há 17 anos, se estivesse vivendo toda essa comoção que o Brasil vive hoje, talvez eu pudesse ter me desesperado, porque hoje temos informações de todas as maneiras", disse ao Portal Boa Vontade.
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A maternidade após a notícia da microcefalia
Para muitas mulheres, a maternidade é a realização de um sonho. Ao tornarem-se mães, elas passam a ter uma responsabilidade ímpar com essa nova vida, criada mesmo antes do início da gestação. É um elo inquebrantável para toda a eternidade. Para as que recebem o diagnóstico da microcefalia do filho, diversas perguntas surgem: Como é ser mãe nessa condição? O que os filhos podem esperar do futuro?
Por ser uma doença não muito divulgada e com o aumento no número de casos confirmados no Brasil de uma hora para outra, o temor pelo desconhecido trouxe muitas dúvidas e medos. Por isso, a história da amazonense serve de inspiração e de exemplo a muitas outras mulheres prestes a abandonar o sonho da maternidade pelo temor e pelo medo do desconhecido, por não se sentirem preparadas para lidar com a doença, já que a criança vai precisar de muito amor e atenção.
"Quando recebi esse diagnóstico, sabia que teria uma diferença no criar, porque é uma criança especial, e eu não tinha nenhum tipo de conhecimento do que era microcefalia. Não posso nem dizer que me desesperei. Eu me preocupei, porque entendi que teria que dedicar muito mais tempo e que as coisas não iriam ser como em qualquer outra criança. Foi novo para mim e foi novo até para os médicos, que também ficaram na expectativa do nascimento da Ana Victória para saber o que seria, o que era e como ela nasceria", recordou.
E ter a confirmação de que o seu filho ou sua filha vai nascer ou nasceu com uma doença grave traz inúmeras preocupações. Assim, é natural que todos ao redor sintam-se apreensivos, mas não é preciso entregar-se ao desespero. Mas onde encontrar forças quando, ao invés de ouvir que está tudo bem com o bebê, a futura mãe ouve que a criança corre riscos e pode não sobreviver? "Meu alicerce foi Deus. Eu acredito que a maior força que eu pude ter na minha vida pra eu conseguir chegar aonde cheguei foi Deus e a estrutura familiar", explicou Viviane.
O desafio surge novamente
Um ano e meio depois, na 24ª semana de sua segunda gestação, Viviane recebe o diagnóstico que sua filha Maria Luiza também teria microcefalia e descobre que, no seu caso, a doença tem causas genéticas. "Até confesso que eu fiquei muito mais preocupada, porque eu sabia que tipo de luta iria enfrentar. Maria Luiza nasceu muito mais comprometida que Ana Victória, mas existiam algumas coisas que eu tinha aprendido de como aplicar, como estimular e como cuidar."
De acordo com a dra. Tânia Saad, neurologista pediátrica do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tratamentos feitos desde os primeiros anos melhoram o desenvolvimento e a qualidade de vida. Não há um específico. Contudo, ele vai ser definido de acordo com as manifestações do bebê, pois algumas crianças têm um comprometimento menor e só há uma paralisia, por exemplo.
Independentemente do grau, o tratamento inclui sessões de fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional, para estimular a criança, diminuir o retardo mental e também o atraso do desenvolvimento e do crescimento. "O primeiro ano de vida delas foi o mais importante, pois a estimulação tem que ser bem mais intensa. E foi! Chegou um determinado período em que eu mesma ia aprendendo como tratar, como lidar, tudo isso por meio dos ensinamentos dos médicos, dos fisioterapeutas, dos fonoaudiólogos", explicou.
A chave: não desanimar
Viviane percorreu todos os médicos, fez todos os exames, enfrentou todos os medos que hoje também assombram centenas de famílias. "A segunda gravidez foi até um pouco mais complicada. Me deu até um certo medo, porque você pensa: 'Será que eu vou conseguir dar atenção? Pois já tem uma...' ou 'Como é que eu vou conciliar?'.
Viviane já sabia que uma criança muda a vida dos pais. E Ana Victória, 16, e Maria Luiza, 14, mudaram a sua vida totalmente. Só que para melhor. Um dos trunfos de Viviane foi não encarar o diagnóstico como uma sentença. "Não aceitei quando o médico disse que Ana não andaria, não falaria. Maria Luiza, quando nasceu, não davam nem 24 horas de vida. Talvez, se eu tivesse aceitado, hoje eu nem tivesse minhas filhas", contou, emocionada.
Com estímulos e continuando os tratamentos, as meninas têm conquistado vitórias ao longo dos anos. "Sempre saíram comigo! Sempre foram para cinema, pra pracinha. Nunca escondi, nunca deixei elas dentro de casa. As pessoas sempre souberam. Hoje elas são completamente socializadas, desenvolvidas para estarem em qualquer lugar." A mãe ainda comemora a inclusão das meninas, que frequentam escolas regulares, embora ainda enfrentem dificuldades com a atual metodologia de ensino.
As meninas cresceram cercadas pelos cuidados, pela atenção e pelo amor da mãe, dos familiares, e também de Carlos Alberto Lima Junior, que, desde que se casou com Viviane, dedica-se integralmente a elas. "Quando a gente se conheceu, eu não vi isso em nenhum momento como empecilho para o nosso relacionamento. Maria Luiza tinha 2 anos e Ana Victória, 4", disse ao Portal Boa Vontade.
Quem também oferece apoio e afeto a Ana Victória e Maria Luiza é a irmã mais nova, Júlia, fruto do segundo casamento. "Depois que a Júlia nasceu, as meninas se desenvolveram muito. É por isso que, hoje, eu luto tanto pela inclusão na escola e em todos os lugares", defendeu.
A favor da vida
A gestante que recebe o diagnóstico de um filho com algum tipo de limitação, em que a opção colocada é a interrupção dessa gravidez, deve repensar a decisão, como pondera a Viviane: "Sou contra o aborto, porque eu vi as coisas se realizarem na minha frente. Eu vi que é possível! Minhas filhas vieram ao mundo com dificuldades, mas, com dedicação, a gente conseguiu superar todas".
Ainda durante a entrevista ao Portal Boa Vontade, Viviane deixou claro que, quando soube dos diagnósticos, o preconceito nunca cresceu em seu coração. Ela reforça que, mesmo após os laudos, não cogitou aborto.
A Religião de Deus, do Cristo e do Espírito Santo, com sua permanente campanha a favor da Vida, ajuda a compreender onde começa a existência e quais são as graves consequências espirituais para quem comete o aborto. Em seu artigo Pela Vida, o jornalista, escritor e radialista Paiva Netto traz à reflexão de todos: "Em Mãezinha, deixe-me viver! (1987), argumentei: os que, por desconhecimento de certos fatores espirituais, infelizmente ainda defendem o aborto, alegando que a mulher é dona do seu corpo, esquecem-se de que, pelo mesmo raciocínio, o corpo do bebê é do bebê...".
"Poderia ter me desesperado, poderia ter desistido, eu poderia ter abandonado, mas nunca me passou pela cabeça abortar. Tanto que eu tive uma terceira filha", reforçou a assessora de gabinete.
A força da Solidariedade
Ela recebeu mensagens e ligações de mães e pais, de perto e de longe. Gente que nem sequer conhecia. E, apesar de surpresa, ficou feliz em poder ajudar. Em emocionante depoimento ao Portal Boa Vontade, Viviane passa uma mensagem de força e coragem às famílias que estão descobrindo agora a microcefalia em seus bebês. "Eu diria para elas terem Fé, primeiramente! E elas têm que aprender a viver um dia de cada vez, pois quando eu aprendi a viver um dia de cada vez, as coisas melhoraram pra mim, porque quando a gente tem essas crianças [com microcefalia], a gente quer saber o que vai ser lá na frente."
Sempre em contato com diversas mães, Viviane sabe que a realidade de muitas não é fácil: "Uma das coisas que marcaram muito meu coração nesses últimos dias foi o sentimento da solidariedade, da troca de experiências. Eu costumo dizer pra elas que não sou só eu que as ajudo, mas que elas me ajudam também. Por muito tempo, eu achei que estava só e agora eu descobri que não, o que eu vivi não foi em vão".
No grupo, Viviane e as outras mães trocam mensagens sobre a rotina das crianças e os eventuais problemas enfrentados por elas. "Acho que, quando eu passei por isso anos atrás, faz valer a tudo que eu passei para eu poder repassar. Tudo que eu vivi naquela época foi para esse tempo de hoje. Deus já sabia que esse momento ia acontecer", relata.