Declaração da LBV para a 59ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher
Da redação
09/03/2015 às 15h28 - segunda-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h04
Afim de contribuir para os debates da 59ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW, na sigla em inglês), a ser realizada entre 9 e 20 de março de 2015, na sede das Nações Unidas em Nova York, nos Estados Unidos, a Legião da Boa Vontade — organização da sociedade civil brasileira que, desde 1999, possui status consultivo geral no Conselho Econômico e Social (Ecosoc) — redigiu documento (transcrito a seguir) no qual compartilha suas boas práticas nas áreas da educação e da assistência social. “Pequim+20 (2015)”, tema do encontro, será um excelente momento para fazer um balanço dos avanços e retrocessos ocorridos desde 1995, ano em que houve, na capital chinesa, a Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres, marco na luta pela igualdade de gêneros e pelo fim da discriminação contra meninas e mulheres.
A desigualdade de gênero persiste, apesar do expressivo progresso socioeconômico de grande parte dos países nos últimos vinte anos. A urgência por maiores avanços estimula a nós, da Legião da Boa Vontade (LBV), na qualidade de organização da sociedade civil, a desenvolver programas educacionais e de assistência social em prol de famílias e comunidades os quais repensem e discutam os padrões culturais existentes, para serem mais inclusivos sob uma perspectiva de gênero e etnia.
Para a LBV, a manutenção desse quadro de desigualdade ocorre porque as raízes da situação ainda não foram eliminadas: o despreparo de milhões de pessoas para o autoconhecimento e o convívio com a diversidade. São questões complexas e delicadas, que não podem ficar em segundo plano, pois requerem, já, políticas públicas eficazes. Por isso, é necessário reeducar os indivíduos para incluí-los, e, assim, transformar e confraternizar a sociedade como um todo. É o que buscamos desenvolver em 150 cidades que contam com a atuação da LBV do Brasil, da Argentina, da Bolívia, dos Estados Unidos, do Paraguai, de Portugal e do Uruguai.
EDUCAÇÃO: PLATAFORMA PARA O DESENVOLVIMENTO INCLUSIVO
A educação deve ser estruturada como plataforma transformadora, conforme defende o educador brasileiro José de Paiva Netto, diretor-presidente da LBV, em artigos publicados na imprensa desde a década de 1980 e reunidos no livro É Urgente Reeducar!, que fundamenta a proposta educacional da Instituição. “No ensino reside a grande meta a ser atingida, já! E vamos mais longe: ‘somente a Reeducação, até mesmo dos educadores’, como preconizava Alziro Zarur (1914- 1979), saudoso fundador da Legião da Boa Vontade, pode garantir-nos tempos de prosperidade e harmonia. É urgente reeducar-se para poder reeducar. (...) Enquanto não prevalecer o ensino eficaz por todos os de bom senso almejado, qualquer nação padecerá o cativeiro das limitações que o despreparo lhe impõe” (Paiva Netto, 2010).
A essa concepção alinha-se o Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século 21: “Devemos cultivar, como utopia orientadora, o propósito de encaminhar o mundo para uma maior compreensão mútua, mais sentido de responsabilidade e mais solidariedade, na aceitação das nossas diferenças espirituais e culturais. A educação, permitindo o acesso de todos ao conhecimento, tem um papel bem concreto a desempenhar no cumprimento dessa tarefa universal: ajudar a compreender o mundo e o outro, a fim de melhor se compreender” (Delors, 1996).
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) preconiza quatro pilares da educação, acrescidos de um quinto pilar na temática do desenvolvimento sustentável. Os países têm obtido notáveis avanços em dois dos cinco pilares (“Aprender a conhecer” e “Aprender a fazer”), de carátermais técnico, criando padrões e estratégias avaliativas em âmbito nacional ou mesmo internacional, entre os quais o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Programme for International Student Assessment — Pisa), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os outros três pilares (“Aprender a ser”, “Aprender a conviver” e “Aprender a transformar”) visam justamente prover os indivíduos dessas capacidades reflexivas e socioambientais.
Com os pilares de caráter mais holístico e social, contudo, os resultados gerais apresentam-se de forma mais difusa, subjetiva e não instrumentalizada. Nesse sentido, nossa experiência de mais de seis décadas de existência pode trazer grande contribuição para a sociedade, considerando que temos alcançado números crescentes a cada ano. Somente em 2013, somando as cifras dos sete países onde esse trabalho é realizado, prestamos mais de 12 milhões de atendimentos e benefícios a populações em situação de vulnerabilidade social.
Com esse enfoque, nossos educadores desenvolveram diretrizes curriculares para a educação básica partindo da premissa de que cada pessoa deve ser vista como um ser integral, ou seja, um ser espírito-biopsicossocial. Abrangente, essa proposta pode ser aplicada nas mais diversas realidades socioculturais. O ensino de nossa rede educacional não é confessional, e nossos alunos vêm de famílias das mais variadas crenças religiosas e não religiosas.
Os conteúdos pedagógicos são organizados a partir das necessidades sociais, cognitivas e espirituais de cada faixa etária, em diálogo com os pilares da educação propostos pela Unesco e com os parâmetros curriculares nacionais dos países. São definidos temas geradores específicos para cada série/ano, os quais se desdobram em abordagens trimestrais.
Essa proposta também se articula com ações de amparo à família. Promovemos a alocação de equipes multidisciplinares (formadas por psicopedagogos, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas e outros profissionais) nas escolas. Tudo isso contribui para a manutenção, na rede educacional da Legião da Boa Vontade, de ótimos níveis de desempenho, de índice zero deevasão escolar e de ambientes livres da drogadição e da violência.
Os eixos temáticos são trabalhados em profundidade na disciplina Cultura Ecumênica e abordados de forma transversal nas demais. Para isso, encontros para capacitação, alinhamento e troca de experiências e de referências pedagógicas entre os professores são realizados antes de cada ciclo pedagógico trimestral.
A equipe pedagógica define objetivos operacionais e/ou atitudinais apropriados para cada faixa etária. Em síntese, alguns dos conteúdos propostos são:
• investigar o sentido da vida, observando as diversas abordagens culturais, sociais e espirituais do tema, inferindo as múltiplas qualidades humanas que não se restringem às circunstâncias materiais de cada indivíduo;
• compreender aspectos da própria identidade, inferir a necessidade humana de cooperação e investigar o papel da amizade e da espiritualidade na conquista do bem- -estar pessoal e coletivo;
• conceituar “liberdade” e relacionar a conquista desta à prática da responsabilidade e da caridade, em seu sentido amplo de solidariedade e altruísmo;
• analisar os sentidos de felicidade, percebendo a relação desta com a prática do ecumenismo e da caridade para a construção da Cultura de Paz;
• conhecer a si, compreendendo a necessidade de viver em grupo (família/ comunidade) e a importância dos bons relacionamentos;
• reconhecer-se como ser único, dotado de qualidades e talentos, que devem ser compartilhados, para ser multiplicados;
• identificar-se com o próximo, exercitando a solidariedade, o respeito e a amizade;
• conhecer o valor da religiosidade, percebendo os valores e caminhos construídos pela Humanidade em busca da própria origem espiritual; destacar a importância do companheirismo e das boas ações para o fortalecimento da cidadania solidária.
A LBV considera fundamental preservar a autonomia de todas as escolas, cabendo aos pais ou responsáveis escolher que tipo de educação querem proporcionar a crianças e adolescentes. Porém, alerta para o fato de que, de forma geral, a minoria das famílias tem o privilégio de exercer esse direito. Há, também, o risco de essa postura representar um incentivo tácito a uma formação exclusivamente conteudista — voltada fortemente à preparação dos estudantes para os mercados acadêmico e profissional, o que é necessário —, mas superficial sob o ponto de vista dos desafios socioambientais que temos a enfrentar. Nesse contexto, as famílias mais pobres, cujos pais geralmente têm formação educacional insuficiente, e as crianças, carga horária escolar reduzida, são penalizadas pelos efeitos deletérios da publicidade infantil e de conteúdos midiáticos que pouco ou nada agregam para mudanças em sua realidade, os quais, muitas vezes, reforçam preconceitos e estereótipos existentes, até mesmo quanto aos papéis de gênero e ao lugar das diferentes etnias na sociedade.
Para nós, da Legião da Boa Vontade, “a mídia igualmente tem essencial papel na Educação, em particular com as crianças. O que se vê hoje é a deseducação da infância, pela violência, pela pornografia, pela falta de uma estrutura de valores e princípios que levem à segurança íntima diante dos desafios de um mundo em constante transformação. E a base infantil periclitante se desdobra pela adolescência e pelos tempos de adulto. Uma lástima!” (Paiva Netto, 2010).
ESTUDANTES DA BOA VONTADE PELA PAZ
Para fomentar a abordagem aprofundada de temas de relevância social, a exemplo da igualdade de gênero, em escolas que não integram nossa rede, criamos o programa Estudantes de Boa Vontade pela Paz. Essa tecnologia social é aplicada em estabelecimentos de ensino de regiões de baixa renda dos Estados Unidos, reúne educadores da Legião da Boa Vontade e de escolas públicas parceiras e consiste em integrar projetos de cunho ético ao currículo delas, levando crianças e adolescentes participantes a melhorar o desempenho acadêmico e a desenvolver atitudes de liderança solidária.
O programa segue nossa linha pedagó- gica (detalhada a seguir), que possui uma metodologia própria, o Maprei (Método de Aprendizagem por Pesquisa Racional, Emocional e Intuitiva). Ele é composto de seis etapas, as quais foram condensadas em três fases: Mobilização e Engajamento; Desenvolvimento de Atividade Colaborativa; e Apresentação de Resultados e Internalização Individual. Os alunos dedicam- -se em diferentes projetos, debatendo e, sobretudo, “colocando a mão na massa” em atividades externas, que impactam a comunidade deles.
Na conclusão de cada ciclo, uma grande assembleia reúne os estudantes, familiares destes e os educadores da escola. Os resultados dos projetos desenvolvidos são apresentados a todos, e, em seguida, promovemos uma cerimônia de diplomação e reconhecimento, na qual cada aluno ganha uma insígnia, afirmando a continuidade de seu compromisso com a causa em questão.
Os níveis de participação dos estudantes, assim como a aplicação de questionários estruturados pré e pós-projeto, fornecem indicadores para o monitoramento desse trabalho. Os bons resultados apontam melhoria no desempenho acadêmico de todos os alunos, além de favorecer um ambiente escolar livre de violência. Em 2014, a LBV dos Estados Unidos recebeu reconhecimento oficial da prefeitura de Orange, em Nova Jersey, em virtude dos resultados alcançados pelo programa.
LINHA PEDAGÓGICA
A proposta educacional à qual Paiva Netto se tem dedicado propõe um modelo novo de aprendizado, aliando “Cérebro e Cora- ção”. Aplicada, com sucesso, na rede socioeducacional da Legião da Boa Vontade, possui fundamentalmente dois segmentos:
• a Pedagogia do Afeto, cujo enfoque é sobre as crianças de até os 10 anos de idade e a qual une sentimento ao desenvolvimento cognitivo destas, de forma que o carinho e o afeto permeiem todo o conhecimento e os ambientes da vida delas, incluído o escolar;
• a Pedagogia do Cidadão Ecumênico, ou Cidadão Solidário, cujo enfoque nos adolescentes e adultos dispõe o indivíduo a buscar o exercício pleno da Cidadania Planetária.
É oportuno mencionar que a linha pedagógica da LBV “fundamenta-se nos valores oriundos do Amor Fraterno, trazido à Terra por diversos luminares, destacadamente Jesus, o Cristo Ecumênico, portanto, universal, o Divino Estadista” (Paiva Netto, 2010). Ressalte-se que o termo “Ecumê- nico” é utilizado pela LBV na acepção etimológica, significando “de escopo ou aplicabilidade mundial; universal”, e não restrita ao âmbito religioso.
DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Ao lado das frentes de ação de caráter educacional preventivo, mantemos outros programas socioassistenciais majoritariamente voltados a mulheres que hoje vivenciam situações de vulnerabilidade e/ou de violação de direitos (conforme a demanda de cada território), atingindo todas as faixas etárias com diferentes objetivos (convivência e fortalecimento de vínculos, inclusão produtiva, maternidade saudável e protagonismo social).
Promovemos atendimentos individualizados e oficinas, que capacitam as participantes a exercer seus direitos, fortalecendo a autonomia delas para a construção ou reconstrução de projetos de vida individuais, familiares e comunitários. Diariamente, milhares de histórias são reescritas.
Assim, reafirmamos nosso compromisso com a causa da igualdade de gênero. Como organização da sociedade civil brasileira, a LBV sente-se honrada por ter participado desta ação contínua e coletiva desde a Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres, em Pequim, na China. Colocamo-nos à disposição para colaborar com organizações e governos interessados em reaplicar nossas tecnologias sociais nos campos da assistência social, da educação e da comunicação social.